Amanhecer no Campeche

Amanhecer no Campeche

sábado, 30 de abril de 2011

Gosto e desgosto

É a tal história. Se pensarmos bem, sabemos bem mais aquilo que detestamos do que aquilo que gostamos. Há quem prefira dizer de cara que não gosta disso ou daquilo, como se o desgosto fosse a referência mais aceita. Vai ver que é mesmo! Conheço alguém que não se permite ter certeza de nada. Leu o poema do Brecht que diz que a coisa mais certa é a dúvida e, de hesitação em hesitação, vai empurrando a vida, sem se responsabilizar. Não que eu duvide da dúvida, de jeito nenhum, nem da impermanência de tudo, o que já é uma certeza, mas, chega lá uma hora, que ou vai ou racha, opta-se, escolhe-se. A isso chamamos atitude. Sendo assim, lembrei de uma lista que fiz há alguns anos atrás. Tinha acabado de conhecer meus irmãos por parte de pai e num ímpeto de desvendamento mandei prá todos eles uma lista de gostos e desgostos na esperança de que me respondessem e ficasse até ser mais fácil presenteá-los. Vai que um deles odeia perfume! Vã expectativa! A brincadeirinha foi em mão única, não obtive retorno, mas valeu a pesquisa. Não sei onde enfiei a lista, em que disquete, cd, pendrive e resolvi fazer uma nova. Aqui, agora, em 2011 gosto de que? E do que desgosto, detesto, me repugna? Quantos verbos mais para o não...
Gosto, de, do, dos, das, da:
-  meus amigos
-  gatos
-  me saber amada
-  perfumes
- tomar banho
- passar o dia na praia
- ir ao cinema
- ficar estirada na marquesa vendo filmes
- papo vida
- gente bonita
- cerveja, vinho, champagne aos borbotões
- comida com molho
- fotos
- estar no palco
- fazer rir (sempre me surpreende!)
- escrever
- ler, ler, ler
- fazer sexo
- apreciar o que é legal no outro
- uma boa gargalhada
- roupas de seda e de linho
- anéis, brincos, berloques verdadeiros e falsos
- saber da vida dos outros
- fazer parte de
- ser um clown
- me centrar através do Reiki e outros exercícios espirituais
- saber de mim
- Paris
- beijar na boca
- sorvete Kibon
- chá inglês
- gente de idade com cara de gente de idade
- porcelana inglesa
- viajar
- papo inconsequente
- receber convites
- surpreender
- flores
- contemplar a natureza
- estar de bom humor, pessoas bem humoradas
- compartilhar
- comer muito
- falar ao telefone
- receber e escrever cartas (ai, que antigo!)
- cores
- panos
- me cercar de beleza
- bordar
- Chico Buarque
- Hair
- silêncio
- receber pessoas em casa
- fazer festas
- jovens
- cantar
- dançar
- ficar em casa
- resolver questões
- dar conselhos
- olhar e ver
- me apaixonar, por mais perigoso que seja!
- olhar prá eles e elas
- ter insights
- ousar
- dignidade
- dançar junto
- ser honesta
- manter viva a jovem
- fadas
- sonhar
- ficar até tarde acordada
- caminhar no parque
- transgredir
- sutileza
- ficar muitas horas na cama
- poesia do Vinicius
- amor matinal
- cheiro de café
- vermelho e preto
- ser aceita
- recordar
- usar branco
- ultrapassar limites
- prosa do Drummond
- estar viva!
Convido a quem quiser compartilhar, que faça sua própria lista. A do desgosto fica prá outro dia.


sábado, 16 de abril de 2011

Aqui, agora, já!

Minha amiga Vascô reclamou da falta de postagem. Com razão. Travei. Quiz escrever um adeus prá Cunha que se foi há um mês. Não fiz. Quiz comentar dois ou três filmes que me disseram alguma coisa. Não deu. Pensei em comentar um livro que amei. Qual o quê. Me senti, nesses tempos, e ainda me sinto como se estivesse sendo empurrada prá lá e prá cá, o mundo me bombardeando, o trabalho interno me puxando, um vazio, preenchimentos, cena, figurinos, expectativas, a vida em suspenso, intensa, sendo vivida num fio ao som de tambores, cores, purpurina e Beatles, contraditória. Águas devastando cidades, deuses!, que difícil confrontar ao vivo, em cores, o pesadelo recorrente companheiro de infância, adolescência e maturidade! Ali, na cara, devagar e sempre, sem som, as águas carregando a vida, transformando matéria em escombro, afogando respirações. Foram-se anéis e dedos. Nesses momentos, reza-se com mais fervor! Colada à insegurança, à visão palpável da impermanência, o agradecimento: estou viva, a filha está viva, os amigos estão vivos, a família está viva! Aqui e agora, estamos em segurança. Enquanto a cunhada se despedia. Lá se foi, gerando com sua viagem espirais de mudanças indesejadas, promovendo questões que não se respondem, às quais ainda não se encontraram as soluções. Há quem prefira morrer a se mexer. Há quem prefira perder a chance, deixar prá outra o que talvez pudesse ser dissolvido agora. (Ou não é nada disso?). Há quem sequer consiga sentir o dedo mínimo, tal a rigidez. Há quem acredita que é melhor morrer do que ceder seja a dor, seja um pouco menos de autocomplacência, sentimento que os anglo-saxões desprezam, um pouco mais de auto-amor, que sei eu? E há os que julgam os outros. É assim, é assado, poderia ter sido diferente, deveria, tinha que, ái, que cansaço!!! A existência tem sido   regida por cores. Cinza, tons escuros, muito escuros, tons pastéis, vermelho intenso, um leve dourado. Anestesia, antiinflamatórios, antibióticos, repouso, inchaço, tonalidades de cinza chumbo a preto. Regada a episódios de Law & Order e manchetes do Jornal Nacional, vira breu! No ensaio de (Be)atriz, as cores se tornam fortes, vibrantes, ráfagas de amarelo, laranja, rosa forte, até vermelho pinta. Às vezes, me sinto como João Bobo, sendo empurrada de um lado prá outro, amparada, sim, mas sem descanso. Dá prá desabar? Dá prá dizer que é muito de uma vez só? Que estou com medo? Que está difícil segurar a onda e ser madura? Que é muita coisa junta acontecendo ao mesmo tempo, sem pausa prá um bom picolé sem culpa? E a lapidação continua... Mais objetos tomando outros rumos, boas notícias da turma de longe, intuições aflorando, cursos novos, novos enfoques, aprendizado, mudança de química, belos dias de outono, dicas de amigos para questões difíceis, suporte, o amparo dos braços de quem encaminha o João Bobo, sem pausa. O picolé fica prá um intervalo qualquer que será não sei quando. Quando? Dá prá perguntar? Sem lamentações nem queixas. Não dá prá comparar. Dizem que o frio vem conforme o cobertor. É possível. Há novas maneiras de se colocar a cadeira prá ver o sol, os ângulos variam, e aprendi que a onda vem forte, mas passa. Que cada vez que a terra treme, a lama sufoca, os prédios caem,  há florais que ajudam a superar a dor, há medicamentos para o corpo e para a alma. O poder, o poder de verdade, o poder da verdade, esse, é imutável, presente. Aqui e agora, nessa respiração, o ser é. E não há nada que possa alterar a consciência daquilo que é. Os cães acreditam que são humanos. Os gatos acreditam que são deuses. É assim que é.