Amanhecer no Campeche

Amanhecer no Campeche

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Domingo, simplesmente

Rod Stewart na vitrola ("we´ll never meet again"), quiabos já lavados e enxutos, prontos  para grelhar, arroz cateto básico esperando pelas abobrinhas com alecrim, azeite extra virgem. Tudo light como o dia abraçado pelo vento sul. Dvds aguardando na mesa dourada, um deles já visto: "O ano em que nos conhecemos", interessante para os meninos e para aqueles que pretendem entendê-los um pouco melhor. Auto-ajuda para boys? Coreografia rápida aproveitando o embalo sensual da música, só prá curtir, só prá lembrar, só para fazer o corpo respirar curvaturas lânguidas, movimentos calmos, sutis. Chiquita escovada, alimentada, banheiro limpo, fica por perto, na espia. Ela também curte muito esses momentos de solidão gorda, solidão só porque se está só, solidão plena de companhia, solidão de auto-amor, uma bela de uma solidão energizante.
Ontem, "Zylda: anunciou, é apoteose!" reiniciou os trabalhos. Repaginamento do espetáculo. A turma da coreografia trabalhou bonito. Reencontro do elenco incompleto: alguns viajam, outros fazem curso fora, outros  ficaram curtindo ressaca e não apareceram, coisa feia!
Vou respirando homeopaticamente o retorno ao cotidiano de providências. Continuo impactada pela leitura de "A arte de curar pelo espírito", que releio. Não dá ainda prá comentar em profundidade. Mexe demais com questões de fé e crenças. Como é que se conecta e se entrega a um "Deus" que castiga? Só retirando com fórceps a crença enfiada goela abaixo pelo sistema, sociedade?, judaico-cristã-muçulmana! O povo dos livros sofre, gente, e faz sofrer, é óbvio! Se há castigo, há culpa! Pobres de nós que já nascemos com o pecado original, é possível uma coisa dessas? Onde a culpa nos leva ou tem nos levado? E o "Deus" de amor onde é que fica nisso tudo? Se há Amor, não pode haver nem culpa nem castigo, está tudo certo, no lugar certo e nós é que não sabemos olhar, nós é que não vemos!
Consegui recuperar os textos que havia postado no antigo blog. Desses milagres que acontecem e não se explicam, ou não seriam milagres. Havia um especial que eu estava lamentando muito ter perdido. Chama-se "Credo" e tem tudo a ver com essa tarde de domingo, simplesmente. Lá vai:

Assim como existem as crenças limitantes  negativas que alicerçam nossos enganos e falsas suposições, (entre outras coisas), há aquelas que iluminam nossa vida.
Listei algumas que funcionam para mim:

Creio na beleza em todas as manifestações,
Creio na espiritualidade transmitida pela arte,
Creio no poder regenerador do perdão,
Creio na imortalidade da alma,
Creio nas pétalas balsâmicas que os anjos derramam sobre nós,
Creio na vontade evolutiva do ser humano,
Creio no poder transformador da Tradição Sufi,
Creio na Energia Universal transmitida pelo Reiki,
Creio na existência e amparo da Espiritualidade Amiga,
Creio no amor incondicional,
Creio na restauração da essência humana,
Creio na amizade,
Creio na sutileza do espírito,
Creio na ajuda dos Mestres,
Creio na oxitocina gerada pela amizade entre mulheres,
Creio no poder curativo de uma boa risada,
Creio na capacidade centralizadora do silêncio,
Creio no olhar amoroso,
Creio no diálogo corpo/espírito através da dança,
Creio na música das esferas,
Creio na força dos guardiões do planeta, os orixás,
Creio na unidade essencial,
Creio que o que está no outro, está em mim,
Creio que o que está em mim, está no outro,
Creio na elevação espiritual,
Creio na superação das dificuldades,
Creio que evoluir é possivel,
Creio que é possível tornar possível o impossível,
Creio em milagres,
Creio na abundância das benção divinas,
Creio que Deus está em mim,
Creio que Deus está no outro,
Creio que Deus está na natureza,
Creio que Deus está aqui,
Creio que Deus está ali,
Creio que Deus está aí,
Creio que o sofrimento é desnecessário,
Creio que a luz ilumina as sombras,
Creio que a coragem para enfrentar as sombras produz luminosidade,
Creio que cada um tem seu tempo, as moscas, inclusive,
Creio que um templo pode ser um teatro,
Creio que um teatro pode ser um templo,
Creio na cura quântica,
Creio no processo passo a passo,
Creio que a palavra tem poder,
Creio em manifestações amorosas,
Creio na intenção motivadora,
Creio que amar é possível,
Creio que amar transforma,
Creio que amar transmuta,
Creio que amar faz evoluir,
Creio que quem procura, acha.

(postado em julho de 2009)

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

lixo, luxo, eixo

Sabe aquele dia em que a agonia é maior que a satisfação? Aquele em que se tem vontade de mandar tudo pro inferno, deitar na cama, se cobrir até as orelhas e esquecer que existe vida e que você está nela? Ou então, pegar todos os objetos que fazem parte da sua existência, longa existência, e jogar tudo fora, depois de quebrar em pedacinhos todos eles, transformando-os em cacarecos inutilizáveis, sem validade prá mais nada, a não ser levar com eles todo o significado que tiveram um dia, se é que tiveram?
Pois é, hoje, eu estou assim. Tá difícil suportar a chuva constante, a dosagem homeopática de objetos descartados (arrumação dos CDs. Ouço CDs, sim, não uso MP3, 4, 5 ou 21!), a sensação de sufocamento provocada pela vida que se carrega nas costas, paredes, gavetas, vida cheia de projetos não realizados, projetos realizados, quadros produzidos, lembranças gracinhas, outras nem tanto, roupas que são usadas de vez em quando, mas que não dá prá jogar fora (há que ter um pretinho básico no guarda-roupa!), frases compiladas, livros, ai meu Deus!, livros! Juro que doei um monte deles prá algumas bibliotecas, pelo menos três. Devo ter tirado das estantes cerca de 1000 volumes. Parece pouco? Parece muito? Não sei. Fui atacada por uma alergia que me fez doar obras que não terei mais, nem em edições recentes. Obras que não serão reeditadas, que estavam velhinhas, velhinhas. "Quo Vadis" se desfazia nas minhas mãos quando o reli, não faz muito tempo. Que delícia de leitura! Como deve ter sido difícil para os primeiros cristãos a revolução que provocaram... Mudança de paradigmas profundos. Todos irmãos? Que história é essa?, se perguntavam os romanos cheios de si. Como se identificar com alguém de classe inferior? Os deuses serviam aos homens e eram cultuados para isso, realizar o desejo dos que lhes cultuavam. Fico imaginando como seria isso. Como era ter à disposição a energia de um Ser da dimensão de um Jesus, se contrapondo a deuses de certa forma servis. Trazemos até hoje essa idéia de que a força divina está aí para realizar os nossos desejos e ficamos só pedindo, pedindo, pedindo. Pois é, hoje, estou pedinte, também. Aceito o estado esquisito, estado de intoxicação energética, estado de saco cheio de tantos kilos a mais, de tanta idade vivida, de tantas lembranças, nem todas felizes ou satisfatórias, de um bocado de incompetência minha e dos que estiveram em torno de mim, de risos, sim, momentos deliciosos, momentos de grande serenidade, aqueles em que nem os filhos distantes fazem falta, em que estamos plenamente no agora, em que sentimos que não falta nada, o vazio foi preenchido seja pela oração conjunta, seja pelo lugar especial, seja pelo estado que chegou e se instalou e que é guardado na memória como preciosidade. É, isso existe. Lembrar dessas ocasiões benditas faz com que a agonia se dilua, a chuva se torne a delícia que é quando não é o chicote da natureza sobre nós, seres humanos mal-educados e mal-agradecidos. Lembrar faz com que a respiração ganhe um ritmo mais lento e adocica o olhar sobre os objetos, sobre a vida que eles evocam, sobre a arrumação conseguida. Reduzir, reciclar, compartilhar experiências. Reduzi o espaço em que vivo. Reciclo o lixo que produzo, transformo batiks em bordados, me desfaço daquilo que não é mais essencial. Alguns não foram nunca! Apenas estão aí, fazendo volume, ocupando espaço, transformando a abundância em peso ou desperdício. São assim também as emoções, ressentimentos, mágoas. Já que estamos nesta vida prá aprender e acredito nisso, como nos permitimos a raiva, a negatividade nas relações de aprendizado? Questão difícil. Ihh, ainda há muito caminho prá andar, muito espinho prá tirar dos pés, muita massagem no coração que fica dolorido assim, à toa. Mas, sigo em frente. Resmungo, dou patadas, me arrependo, fico quietinha, passo mel onde precisa, repito o que aprendi, chamo o Zé (nossa, de onde surgiu isso??!!! será que foi por conta dessa expressão que me casei com um Zé?!!!), olho a paisagem da janela, curto o verde, dou uma cafungada no ar que chega da Praia do Riso, lindo e plácido mar que se oferece aos meus olhos e me sinto a própria Januária! Depois, uma retomada no livro que me espera, mais um ponto no bordado que começa, um gole de um chazinho reconfortante para o fígado e pronto, a vida recupera o ritmo com menos frenesi e angústia. Isso é prá quem ainda não sabe. Isso são recaídas indesejadas, inegáveis. Nem sempre a maturidade está disponível, é como se a presença divina se escondesse  e fosse preciso dar um mergulho um pouco mais fundo para resgatá-la. Está feito.
"Como é bom poder tocar um instrumento"...

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Dia de amigas

Maria da Graça veio almoçar comigo. Fazia muito tempo que não nos visitávamos, ela, às voltas com filhos e netos e eu, por aqui mesmo. Inventamos um bazar e aproveitamos a ocasião de recolher os objetos, para um tricô básico. Fiz um peixinho assado prá comermos e brindamos com água de côco. Como diz meu amado Chico, "quem te viu, quem te vê"... (Temos em nosso histórico compartilhado litros e litros de diversão regada a vinho, cerveja e espumante.) Será velhice? Será juízo? Será consciência trazida pela maturidade inevitável? Tim, tim. Conversamos um montão e, se falamos de outros, além de nós mesmas, foi bem pouco: estávamos ansiosas para trocar figurinhas, contar nossas descobertas (chá de sucupira é o must do momento), rir das alergias que nos assolam, comentar o quinhão que nos toca nessa vida de aprendizado, já que fazemos da busca pelo autoconhecimento o nosso motivo maior. Bom compartilhar as vitórias dos nossos filhos, elas são nossas, também. Bom saber que tem gente protegendo nossas fontes e matas, pessoas dedicadas ao bem comum que vivem de forma simples, no chão batido, fogão a lenha, comendo sem agrotóxicos, mas utilizando no trabalho comunitário todas as descobertas avançadas da tecnologia. No bazar, lá se vão mais ítens dos 100 que me propus descartar até meu aniversário. No fim do ano, descartei os 100 primeiros. A sensação é tão boa, que resolvi investir em menos 100. Já estou no ítem 67. Tenho duas semanas prá desapegar de mais 33. É um exercício e tanto. E vai-se descobrindo o que realmente importa. Venho de uma geração que guarda tudo, como bem descreve Eduardo Galeano. Me faz mal o consumo desenfreado e o troca-troca constante tão em moda. Mas, desapegar é um verbo que precisa de conjugação exatamente pelo hábito de guardar. Precisamos ter, ter, ter por não acreditarmos no suprimento, na abundância à nossa disposição. Acreditar na miséria é uma criação coletiva do ser humano. Como se a felicidade, o bem estar viessem de fora, estivessem longe de nós. Anos de crença limitante... Bombardeio externo em busca de ter. Quem sabe um dia seremos...
Continuando o dia de amiga, fui visitar o blog da Vascô. Um prazer. Escreve bem, gostoso, solta os cachorros, brinca, inventa histórias. Vascô é amiga de longa data. Me socorreu em momentos turbulentos, compartilhamos muita vida e sempre nos vemos quando vou ao Rio. Prestigiou a festa dos meus 60 anos, no Campeche. Que delícia tê-la e ao marido ali, na minha casa, no meu jardim! Amizade é um bem único. É enriquecedora a troca entre pessoas com referências comuns. Mesmo que os fatos se misturem na memória alterada pelo tempo, pelo "alemão" que ronda nossos neurônios... Se fosse possível, estaria com minhas amigas de longe muito mais vezes no ano e por mais tempo. Aproveito o momento e declaro a todas e todos, que também há homens nesse rol, os de longe e os de perto, que tê-los é um presente imenso, uma benção renovada, mesmo aqueles que já se foram, seja do planeta, seja do convívio, seja do coração. Amo meus amigos, são fonte de nutrição, embora tenha vontade de bater em alguns, eventualmente! Nos momentos em que vemos a saída tão clara e eles insistindo em manter os olhos fechados! Mas, fazer o quê? A vida de cada um a cada um pertence e temos mais é que cuidar da nossa própria, protagonizando nosso agora. Agora.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Aquecendo as turbinas

Prometi a mim mesma que escreveria com mais frequencia, afinal, é um exercício que muito me agrada, escrever. Então, vamos lá.
Adoraria ter escrito mais cedo sobre as férias no Pântano do Sul, praia deliciosa no sul da Ilha, cheia de barquinhos de pescadores, restaurantes à beira da areia dura, boa de caminhar por ela, mas dei uma adoecida pós retorno ao lar. Agora, a vida cotidiana já retomada, quero compartilhar a delícia que foi. O mar do Pântano do Sul é frio, cercado por morros e dunas tombadas pelo Ipuf, não se podendo construir nelas, e o desenho é de uma pequena enseada, talvez não tão pequena como pode dar a impressão. Consigo percorrê-la desde o costão esquerdo até a divisa com a praia da Solidão e voltar em 40, 50 minutos aproximadamente, sem muito esforço. Como o vento sul andou soprando, a água estava mais quentinha. As férias se passaram em meio aos cantos de sabiá, muitas plantas, sol forte e chuvaradas. Li alguns livros, bordei um pouco, consegui dar uma revisada na base do curso de italiano, comi muito, bebi cervejas, algum vinho e umas champagnes. Cozinhei, também. O marido relaxou bastante, namoramos, recebemos amigas no nosso chalé, nos deleitamos com o só fazer o que queríamos, com o não compromisso, fundamental para refazer as energias gastas durante o ano que foi bem puxado. Até hoje me surpreende o fato de a harmonia entre duas pessoas ser possível, de haver integração serena e terna sem exigências, nem desvios de comunicação. Durante toda a minha vida, nos meus relacionamentos mais íntimos parece ter havido como que um véu empanando o fluxo dos sentimentos mais leves. Só agora, já com a idade que tenho, depois de passar por inúmeras crises e superar todas elas, ou pelo menos não ficar tão incomodada com elas, é que usufruo de momentos de paz na relação. (Tem gente que é complicada mesmo e me incluo no rol. As esquações a serem resolvidas se sucedem). Será que é a maturidade, finalmente? Será que é porque não preciso mais provar nada prá ninguém? Será que é por ter finalmente compreendido que o negócio é comigo e que minha felicidade depende só de mim e do jeito com que lido com os perrengues que nunca deixam de incomodar? Não que eu tenha ficado um amor de criatura, ihh, longe disso. Há uma agonia, uma impaciência, uma irritação que fazem parte da personalidade, que escapam ao controle, quando vejo, pronto, já estou soltando os cachorros. Há momentos que exigem posicionamentos mais cortantes, mas por que cargas d´água é o mais próximo que tem que sofrer o desequilíbrio emocional que descentra e separa? Na praia, vivi instantes de unidade. Fico feliz e agradecida por conhecer o fluir silencioso do amor por outra pessoa. Não é necessário dizer nada, declarar, nem há arrebatamentos, é um sentir quase contemplativo, como se o ser do outro fizesse parte do nosso proprio ser, sem distâncias. Talvez seja esse o sentimento que Chico Buarque chama de a "calma dos casais". Anos de intimidade, idas e vindas, conversas e mais conversas, terapias, orações e eis que acontece.
Há uma regra de comportamento sufi que recomenda guardar na memória momentos de bem-estar para poder usar quando as coisas não estão correndo tão bem como gostaríamos. Antes de voltar prá casa, olhei um vestido que comprei da griffe "Arara na Areia" e lembrei que fiquei tão feliz quando o adquiri que ele se tornaria um símbolo da alegria vivida ali, na simplicidade de tomar um banho de mar, dar uma caminhada, sentar com os pés na areia, comendo umas ostras ao bafo, um peixinho frito, de ouvir deitada na rede o canto afinado de um sabiá, rodeada de silêncio, sons de folhas, água rolando no pequeno lago, de estar com os livros escolhidos para aquela ocasião, de dar pontos no bordado do momento, apenas sendo o que sou, apenas observando o outro ser o que é e pronto. Por um tempo, curto que seja. Gravando nos registros da vida, tecido feliz.