Amanhecer no Campeche

Amanhecer no Campeche

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

LERDS

Há os nerds. São competentes, resolvem problemas em muitas áreas, sabem tudo sobre informática e as últimas, sempre frequentes, atualizações que o mercado vomita sobre nós, alguns, pobres mortais. Como eu, por exemplo. As siglas se multiplicam: é HTML, URL, LINK, tudo em inglês, naturalmente e nem me preocupo em entendê-las, porque isso, entender, está fora de cogitação. O celular tem uma rapidez que minha lentidão não permite acompanhar. Para um telefonema são uns três desbloqueios do aparelho, pelo menos. Deixei o moderno de lado, mas o velhinho estava realmente idoso e fui obrigada a assumir o smart (esperto, inteligente, são palavras muito compridas para a rapidez do agora virtual). Adaptações. Como viver sem celular? O que mais ouço é "estou sem crédito". Lá vou eu assumir o telefonema, afinal, quero falar com a pessoa e fixo, ora, que coisa mais demodé, palavra francesa, portanto, demodé, fora de moda, out, o que vale é o ingles americano, raça expedita, não tem tempo nem prá comer e exporta como maravilha comida pré-digerida com embalagem prá presente. Eh, presente! Obesidade, colesterol alto, pressão na lua, quem manda comer merda? E as mães levam suas crianças como se estivessem fazendo festa. As bactérias agradecem. Os médicos, também. Pois é, o neoliberalismo é um dos piores acontecimentos dos últimos anos, liberou e levou ao auge o capitalismo selvagem. Legal, o pior é que é legalizado mesmo. A famosa exploração do homem pelo homem encontrou nessa modalidade de sistema sua melhor manifestação. Dane-se quem nasceu pobre e não me venham com a balela de oportunidade para todos. Vai ser preto aqui, na Europa ou na África! Vai ser mulher no Oriente, no Afeganistão, no mundo fundamentalista islâmico, vai ser branco pobre em qualquer parte do mundo. Te ferra, malandro, meu pirão primeiro e de preferência o tacho todo! Pois é. Voltando às tecnologias avançadas. Tenho duas imagens de um nerd. São do gênero masculino. Um, é arrumadinho, cheio de confiança em si, tudo que ele quer na vida é ter tudo que o mundo pode lhe oferecer de bens materiais e se esforça prá isso. O outro é mais desencanado da aparência, pode ser gordinho, tem olheiras, o domínio da informação é sua meta maior e os bens materiais acabarão em suas mãos por conta da desenvoltura que ele consegue ter na manipulação das informações de última geração. Nerds. São jovens, já nasceram jogando video-games, portanto não tem noção do que seja serenidade ou paz. O que vale é a explosão, a destruição espetacular do inimigo, fogo, barulho. O mundo americano prá exportação. Dólares extravasando a cornucópia dos produtores de merda ideológica. Filmes de ação, filmes de macho. Aí, detonam as torres do mundinho deles e eles acham ruim! Mas, a violência propagada pelos quatro cantos do planeta, a invasão das terras alheias, o jogo duplo no auxílio financeiro, ah, isso não conta, é diplomacia, é prá ganhar e ser senhor absoluto dos bens planetários. Isso é imperialismo. Alôo, Igreja Católica e suas cruzadas, alôo, missionários nos países pobres levando a palavra considerada a única verdadeira, alô, arrogantes, alô,  mentirosos, alô, invasores e ladrões! Nerds. Experts na arte de enganar, esses daí. E a maioria cai na conversa. Índios se vestem, negam seus deuses. E a Terra fica sem cobertura espiritual. O que será da natureza sem os orixás? Olha o estado do planeta! Ok, só um Deus, tá, aceito. Apenas, esse Deus tem múltiplos nomes, múltiplas manifestações e um desses nomes é compaixão. Guerrear em nome de Deus, ah, vamos inventar outra desculpa que essa não dá mais prá acreditar nela, prá aguentar.
Ok, o mundo gira, a Lusitana roda, livre pensar é só pensar, como diz Millor Fernandes. O que quero dizer é que há toda uma geração que não jogou video game na infância, que se deleitou com livros, que sabe o que serenidade quer dizer e que busca a paz dentro de si e fora, no mundo. Essa turma está criando movimentos anti-velocidade. Slow food, é, os franceses ficam horas à mesa, ou ficavam, porque a aceleração atinge todos os países. Há lugares na Itália em que a tônica é a preparação e degustação tranquila dos alimentos, há cidades chamadas de slow cities, (em italiano o nome é diferente), nas quais carros não circulam e a produção é dedicada àquilo que é original da região, existem lugares que foram transformados pela força da meditação e dedicação intensa para mudar terra infértil em pomares e jardins. Há grupos que se reunem prá expor em 15 minutos soluções para melhorar a vida. Há outros que se encontram prá rezar, prá cantar prá Deus, prá cuidar dos outros, pois é, gente, isso existe, cuidar dos outros. Estar atento para o próprio bem-estar e o do próximo, sim, não é assistencialismo, é cuidado. Tratar o outro como gostaria de ser tratado. Olhar, ouvir, agradecer, cumprimentar, curtir, ceder espaço, sim, isso é possível sem ferimentos, por incrível que pareça.
Pois é, o título é LERDS. Em contraposição aos nerds, sou uma lerd. Vou devagar na informática e peço ajuda dos que sabem e não se importam em dar uma força, sou devagar na aparelhagem moderna, cheia de truques e possibilidades das quais usufruo um mínimo já que sou uma lerd, controlo a ansiedade da qual fui rainha, dando uma boa respirada e indo devagar. O trem da minha vida é Maria Fumaça, embora tenha andado naqueles que andam bem rápido e atravessam a França e o túnel que a liga  à Inglaterra e tenha gostado da velocidade. Ultimamente, prefiro degustar a paisagem se deslocando calmamente pela janela. Prá que tanta pressa? Prá terminar mais rápido? Vai terminar de qualquer jeito. Prá que tanta produção? A humanidade continua passando fome e a percentagem de esfomeados é muito grande. Em nome do lucro exorbitante bens fundamentais são desperdiçados, em nome de um progresso duvidável o planeta vai sendo devastado em ritmo cada vez mais acelerado. Tive um amigo que dizia: isso não chega a neto. Que pena! Temos uma destreza enorme tecnológica, há inúmeros nerds, mas quanta lerdeza de consciência, quanta lerdeza afetiva, emocional, inconsciência de sentimentos, ignorância de si. Vamos despertar! Nerds e lerds, uni-vos! Lerds, não se envergonhem de não saber mexer nos seus aparelhos, seus tablets, suas redes sociais, apenas, usem sua lerdeza prá ligar o rádio e ouvir música clássica. E desfrutem do momento agora, que passa e não volta, como sabemos todos, neds e lerds. Nerds, aproveitem sua inteligência e olhem um pouco prá vocês mesmos e suas necessidades básicas. Vovó está dizendo: um respiro, um olhar, a vida é já. Como lerd assumida, vou passar um café sem usar um aparelho, apenas água, pó, coador. Hum, que delícia!

sábado, 30 de julho de 2011

vinho doce

Eu posso até dizer tanto faz. Porque, realmente, tanto faz. Mas, lá no fundo, adoraria um retorno, uma volta prá perguntar tá tudo bem? Precisa de alguma coisa? O que tenho pode te satisfazer ou te preencher? Seria como uma possibilidade, ou até como uma atitiude delineada pelas boas maneiras. Vou, mas volto. Vou, mas me preocupa o bem estar de quem me recebeu. Vou, mas apesar de todo o calor que me abrasa, tenho apreço por você. Vou, mas é você que preenche meu imaginário, é você que canta no meu tom, é você  que eu quero.
Expectativas. Não são possibilidades. Apenas desejos no silêncio da noite que escorre. Boca chiusa. Shiiiiiiiii........ 

domingo, 24 de julho de 2011

à espera

Se cadeira de balanço tivesse, nela estaria me embalando enquanto espero.
Vejo um filme, mexo a panela, tomo mais um gole, olho pela janela, tento entender a linguagem das estrelas, sacudo o pé, dou uma olhada no espelho, até banho tomo, me perfumo, troco de blusa, e espero.
Papo rápido no telefone, entro novamente na Internet, revejo as estantes, escolho outro livro, folheio aquele que me leva a outras épocas, dou uma volta no quarteirão, olho as pessoas, passeando com seus cachorros, evito o cocô espalhado nas calçadas (nem todos recolhem a merda dos cães), olho as nuvens, continuo à espera.
Sacudo o corpo, bordo mais alguns pontos, rio com a amiga ao telefone, investigo o endereço da clínica do médico amado e competente que voltou a atender, tomo mais um gole, lavo a louça, olho as unhas, leio dois parágrafos, suspiro, limpo as flores murchas, brinco com a gatinha, vou de novo à janela, exercito a garganta, tento memorizar mais um trecho do que tenho a dizer, e sinto o peso da espera.
Olho de esguelha pro aparelho telefônico, será que o celular tocou e eu estava no banho e não ouvi? Verifico novamente a Internet. Ando prá lá e prá cá examinando as paredes úmidas, não tinha reparado que há um novo broto na samambaia chorona, fora de época, jogo a bolinha prá gata, dou mais um pouco de delicinha prá ela, pequenos nadas pontuando o nada maior.
Por que o silêncio? Prá que? Ouvirmos um ao outro, sabermos um do outro não é um alívio para a distância que nos foi imposta? Mandei uma, mandei duas, mandei três mensagens. Sem resposta. As chamadas foram feitas por mim, será minha a saudade, somente minha?
Então, tá. Quer saber?
Tomo outro banho, visto uma roupa bonita, ponho um perfume sutil e bem feminino, pinto os olhos, as unhas, escovo os cabelos, bebo mais uma taça de vinho, como umas castanhas, olho bem o ambiente, guardando bem guardado na memória cada canto impregnado pela minha espera e espero, continuo esperando que o sonífero faça efeito. É muito tarde, muito tarde, é tarde demais! 

sábado, 23 de julho de 2011

SANDMAN

SANDMAN

“O seu vestido se partiu/ E o rosto já não era o seu”

Caminhava por um lugar colorido em que nada lhe parecia familiar. Muitas pessoas por ali. Turistas? Algumas paradas, estáticas, como petrificadas. Outras, contemplavam os objetos variados espalhados, sem ordem aparente. Procurava identificar o local. Seria um antiquário? O chão de pedra revelava séculos de uso. As paredes, também de pedra, se transformavam logo adiante em muros cheios de hera que separavam sabe-se lá quais quintais. Mais além, um jardim primaveril era separado por uma parede de vidro de uma ampla sala em que mulheres e homens vestidos com trajes do sec. XIX tomavam chá e comiam croissants minúsculos, meio-sorriso nos lábios, observadores frios de uma cena que se passava ao longe: uma bela jovem  descalça que corria por entre paredes e muros procurando a saída. À medida que caminhava, topou com estreitas passagens por baixo de pontes arredondadas. Seria Veneza? Mas não via gôndolas, nem canais, embora muitos mascarados se encontrassem por ali, se exibindo para ele. Seguia a esmo sem ter a menor idéia de onde pudesse estar. Tinha um pouco de medo. Seria cenário de algum filme e todos que estavam por ali, eram figurantes, incluindo ele mesmo? Um palhaço o seguia de perto, dando cambalhotas e rindo sem som, quando ele o encarava, deixando claro que percebia estar sendo seguido. Um pouco mais atrás, espelhos provocavam o reflexo múltiplo de uma penteadeira espelhada. Uma só? Onde? À medida que percorria aquele lugar-cenário, novos figurantes surgiam. Ah, um leão! Mais de um. Deveria correr? De onde surgiram essas árvores que deixavam entrever outra, imensa, galhos e tronco totalmente esculpidos? Não havia som algum, os sons não se propagavam. O silêncio era palpável. Embora ele pudesse ver pássaros e lhe parecesse que mercadores ofereciam seus produtos dispostos em panos multicoloridos sobre o chão, agora arenoso. Não ouvia sequer os próprios passos. Mesclados aos turbantes usados pelos homens, e véus diáfanos que cobriam o rosto e o corpo das mulheres, elefantes desfilavam, à frente de um grupo de homens fortes, de torso nu que faziam acrobacias com suas espadas reluzentes. Estava agora em um lugar que parecia um imenso pátio contido por muralhas altas. O palhaço continuava atrás dele. Para que? Percebeu que a textura de todos os que passavam por ele ou com quem cruzava naquele desfile incessante de lugares e seres e objetos era levemente diferente de sua própria como uma procissão de almas e viu que aqui e acolá havia alguma coisa que conseguia reconhecer. Ora, um jarro que pertencera à casa de seu avô. Ora, uma tartaruga que se movia no adro de uma igreja que vira em alguma revista em quadrinhos ou um olhar trocado com intensidade com alguém, quem? Foi quase atropelado por um bloco de carnavalescos que encheram seu cabelo de confetes e pode identificar tiroleses, havaianas, piratas, índios, odaliscas e cowboys, fantasias usadas por ele e por sua irmã na infância. Topou com uma mesa com copinhos de papel cheios de guaraná e doces, muitos doces. Crianças corriam em volta brincando de pique e se lambuzando. Viu um menino quietinho num canto, olhando com olho comprido aquela mesa, mas quando se aproximou dele, viu-se diante de um chafariz que jorrava água de artefatos azinhavrados. Percebeu que ao tentar tocar alguém ou algum objeto, o cenário mudava. De súbito, o ritmo do ambiente se acelerou. Se viu em um palco, tentando lembrar a fala de um texto muito antigo, da época em que fazia teatro amador. A memória falhava, e os outros atores olhavam prá ele, impacientes, entre eles, um ator célebre. Se viu escrevendo freneticamente em um caderno de anotações, sentado em uma carteira de estudante, enquanto um relógio enorme girava à sua frente e, ele, suando, tentava acabar o que escrevia.  Se viu em uma estação, correndo atrás do trem que já tinha ganhado velocidade, enquanto um funcionário acenava a bandeirinha, e o olhava raivoso, como se gritasse:    
- O trem já partiu!
Tentando subir uma rampa de cimento, pernas pesadas, se perguntava que raios de lugar era aquele e súbito, a viu: pálida, olhava prá ele, sentada em um balanço amarrado em uma mangueira. Parecia ser de cetim seu vestido furtacor. Reconheceram-se de imediato. Ela, no entanto, olhava prá ele como que pedindo que viesse devagarinho. Ele controlou o ímpeto de pegar-lhe o rosto, sabia que ela sumiria caso a tocasse. Rodeou o balanço, queria lhe cantar uma canção especial, a mesma de antes. Ela o encarava séria, com um leve toque de malícia no olhar. Havia encantamento e doçura naquele encontro. E ele viu que todas as figuras com quem cruzara naquele mundo imaterial estavam em torno deles e daquela árvore esculpida de onde pendia o balanço. Formavam um círculo populoso não muito próximo. O Palhaço se destacava entre os leões.
Ele sorriu. Ela sorriu. Um solo de sax rompeu o silêncio, cada vez mais alto, mais alto!
Acordou desesperado! Queria voltar àquele estranho mercado que abrigava o seu sonho que se extraviara. De lá, tinha certeza, não queria sair nunca mais!

Margarida Baird
28 de junho de 2008
Coqueiros

sábado, 18 de junho de 2011

"onde os sonhos serão reais..."

É difícil, melhor dizendo, não é fácil conviver com o universo fantasioso de Peixes. Tudo bem, os céticos terão aquele risinho de escárnio que se tornou íntimo nesses tantos anos de vida. Ah, ela é viajandona, ah, é uma criança que não cresceu (literalmente...), ah, ela acredita nessas bobagens, ah, ela insiste em nos fazer crer que o mundo sutil (digamos que os céticos usam esse termo) é importante, ah, somos espelho do outro, ah, quanta bobagem!!!! OK. Hoje, me dirijo a quem entende esse tipo de universo. Sabe quando se vive uma ilusão por mais de 30 anos? Não a ilusão do mundo cotidiano de que nos fala os hindus. Não. Uma ilusão criada e alimentada durante mais de 30 anos enquanto a vida escorre, enquanto a vida é vivida. Não é aquela de parar, se alimentar e virar poste. Não. Aquela que é como um mundo paralelo. Coexiste. Sabe o que é juntar os pauzinhos e acreditar que aquilo em que se acredita, mesmo sendo uma projeção dos seus sonhos mais irrealistas (existe sonho que seja realista?) pode se tornar realidade? Sabe o que é estudar uma língua prá talvez, quem sabe, um dia, em uma viagem hipotética compartilhar o conhecimento dela com aquele ser que você acredita entender? Sabe aquela música do Caetano (deuses!, durante anos não conseguia falar com ele quando nos encontrávamos, por puro êxtase que me petrificava: Caetano!... Queria me esconder, mas não precisava. Tenho essa capacidade, me escondo quando quero e ninguém me encontra. Pois é. Queria me cobrir com um lençois compridos prá ele não se dar conta de que eu estava ali. Pode timidez maior?!!!) A música do Caetano dizia que a pessoa amada era capaz de lhe explicar mas não o entendia nada. Na minha cabeça, explico um monte de gente e de situações. Entender? Sei lá. Como é que as religiões explicam o merecimento? Como é que é essa história de programar tudo antes da reencarnação, encarnar, esquecer tudo que programou e lidar com as dificuldades sem nem ao menos saber que objetivo existia antes do encarne? Fico pensando se não há alguma coisa meio troncha nessa equação... Ihhh, devo ficar receosa desse tipo de pensamento? Merecimento. Que é que é isso? Se mereço estar viva, mereço viver, é óbvio. Se mereço viver, mereço ser feliz, já que viver e ser feliz são sinônimos. São? Será que o planeta Terra, esse belo e amado planeta é mesmo um vale de lágrimas? Ah, não, odeio esse pensamento. Detesto pensar que tudo não passa de engano e aquilo que pensamos que é, é exatamente o oposto ou outra coisa qualquer. Acredito em universos paralelos. Não tenho nenhuma vivência deles e se tivesse, provavelmente não estaria neste, agora, escrevendo. Talvez estivesse em outro, rodeada de crianças, em um gramado verde, sol de outono, cantando cantigas de roda e vestida como um moça de outro tempo, um vestido estampado de flores pequenas, claro, rodado. Seria morena. Sempre seria morena. Ciganos são morenos, pessoas intensas, também. Aos louros, os louros do poder. Olhos claros é outra história. Seria feliz. Não que não seja. Mas, há buracos. Sempre há. Ou será esta uma crença limitante como tantas outras? Limites limitam o merecimento. Merecer. Ser digno de. Conseguir em virtude de seus méritos. Isso é o que diz o Aurélio, marido da minha prima Marina. Conseguir em virtude de seus méritos. Pois é. Fica a idéia de crime e castigo, virtude e prêmio. Será que é isso mesmo? Será que é assim, tem que assim ser? Mereço ser feliz por ter sido bondosa, caridosa, fiel? E se a ânsia com que vivo for insuficiente prá que um só homem a satisfaça? Preciso reprimir a ânsia para merecer? O que? Um prazer mediano? O que é ser feliz? O que é merecer? Diante de que formas-pensamentos estamos submissos? E a ânsia do absoluto? Nem beleza, nem carros, nem botox, nem bunda firme, nem prêmios, nem orgasmos múltiplos, nem cornucópias generosas satisfazem essa ânsia. É o que eu digo, não é fácil conviver com o universo fantasioso de Peixes. As equações não se resolvem apesar do tempo e dos cursos em que me matriculo.
Hoje, brindo a uma pessoa com quem convivi, sem muita intimidade, há muitos anos atrás e a quem admirava sem paixão. Por algum motivo, ela está na minha vida até hoje, como na de muitos outros e embala meu trabalho, meu imaginário, minhas entranhas. Por algum motivo, não pude compartilhar de uma comemoração coletiva. Por algum motivo, ela me apareceu na tela da minha tv, de repente, me causando perguntas. Nenhuma resposta.
Parabéns, garoto! Que os deuses te mantenham lindo, discreto, atento e equilibrado e as deusas não se enciumem da tua genialidade e te queiram só prá elas. Al hamdullilah!

sexta-feira, 17 de junho de 2011

"chegando antes de te conhecer"

Fico pensando nos jovens e nos nem tão jovens assim de hoje em dia. Estão todos "surpreendendo o sol, antes do sol raiar, saltando noites sem se refazer" tal a correria que o neo-liberalismo assassino exige. É brutal o que vem acontecendo no planeta, é esmagadora a pressão. Até hoje, com todo o avanço tecnológico, continuamos selvagens, bárbaros, desconectados com o que há de mais verdadeiro em nós mesmos. À medida que envelheço, fato muito difícil de aceitar, não só por vaidade, por disponibilidade, mesmo, percebo os ganhos que as milhares de horas vida me deram. Um deles é o amor. Pois é, sei que é quase impossível (insisto no quase, já que "impossível" como "para sempre" são sempre por um triz, como sabemos todos), então, torna-se quase impossível, nessas alturas da trilha, viver uma nova paixão, aquela que nos deixa sorrindo bestamente só de lembrar que o outro existe, de um instante qualquer compartilhado, aquela que faz o coração disparar, os músculos tremerem, o suor escorrer, que nos impulsiona à ousadia, a embonecar a alma e o corpo, que tira o sono, acelera a respiração, faz o sangue correr feito o Amazonas em seu encontro com o mar.  Relembro as que vivi, não foram poucas, coração vagabundo que me coube, e colho outro tipo de sentimento. Gostaria de ter a precisão, a sensibilidade e a genialidade de uma Clarice Lispector prá destilar gota a gota o que acontece. É tão sutil e tão precioso que nem sempre é percebido, nem sempre se deixa vivenciar. Atordoa sem desequilibrar, preenche sem suor, cura sem arder, escorre feito seda na pele interna do coração, morninho, suave. Foram precisos muitos anos prá construir esse sentimento. Muito encontrão, espadas tilintando, palavras, palavras, deuses!, quantas palavras foram ditas, escritas, lidas, trocadas, em voz alta, em tom baixo, às vezes, aos berros, quantas decisões, idas e vindas, distâncias, dores, lágrimas, champagne, jardins, risos, regados todos os senões e sinais de mais pela necessidade suprema de ser de verdade, de ser prá valer, não um truque qualquer. Não é a bela bunda, os seios turbinados, a barriga de tanquinho, os botox, lábios inchados, pele esticada, a mentira da juventude eterna a qualquer preço que vão trazer o sentimento que descrevo. Não são os títulos conquistados, as batalhas ganhas, o carro novo, a fama, nem o status que o trazem. Tampouco as perdas. Não é o que está fora, o que atraiu ou acendeu o fogo. É o jogo das pedrinhas, talvez, o escravo de Jó jogando caxangá, num tira e bota diário, a canção sutil da conquista sem esforço e ao mesmo tempo com muito, muito investimento na qualidade verdadeira do que se busca, do que se quer, do que se precisa. Atenção às necessidades da alma, da própria alma, que a fonte nela está. É no próprio coração que mora o amor, é na própria morada e é atentando prá ele, prá mim, prá dentro, que surge o imponderável, o que não tem peso, nem juízo, nem limites, nem idade, nem destino, nada. O nada preenchido dessa carícia leve e inesquecível, desse sopro possível, possível, possível entre almas que se amam! Um ponto de luz.

sábado, 30 de abril de 2011

Gosto e desgosto

É a tal história. Se pensarmos bem, sabemos bem mais aquilo que detestamos do que aquilo que gostamos. Há quem prefira dizer de cara que não gosta disso ou daquilo, como se o desgosto fosse a referência mais aceita. Vai ver que é mesmo! Conheço alguém que não se permite ter certeza de nada. Leu o poema do Brecht que diz que a coisa mais certa é a dúvida e, de hesitação em hesitação, vai empurrando a vida, sem se responsabilizar. Não que eu duvide da dúvida, de jeito nenhum, nem da impermanência de tudo, o que já é uma certeza, mas, chega lá uma hora, que ou vai ou racha, opta-se, escolhe-se. A isso chamamos atitude. Sendo assim, lembrei de uma lista que fiz há alguns anos atrás. Tinha acabado de conhecer meus irmãos por parte de pai e num ímpeto de desvendamento mandei prá todos eles uma lista de gostos e desgostos na esperança de que me respondessem e ficasse até ser mais fácil presenteá-los. Vai que um deles odeia perfume! Vã expectativa! A brincadeirinha foi em mão única, não obtive retorno, mas valeu a pesquisa. Não sei onde enfiei a lista, em que disquete, cd, pendrive e resolvi fazer uma nova. Aqui, agora, em 2011 gosto de que? E do que desgosto, detesto, me repugna? Quantos verbos mais para o não...
Gosto, de, do, dos, das, da:
-  meus amigos
-  gatos
-  me saber amada
-  perfumes
- tomar banho
- passar o dia na praia
- ir ao cinema
- ficar estirada na marquesa vendo filmes
- papo vida
- gente bonita
- cerveja, vinho, champagne aos borbotões
- comida com molho
- fotos
- estar no palco
- fazer rir (sempre me surpreende!)
- escrever
- ler, ler, ler
- fazer sexo
- apreciar o que é legal no outro
- uma boa gargalhada
- roupas de seda e de linho
- anéis, brincos, berloques verdadeiros e falsos
- saber da vida dos outros
- fazer parte de
- ser um clown
- me centrar através do Reiki e outros exercícios espirituais
- saber de mim
- Paris
- beijar na boca
- sorvete Kibon
- chá inglês
- gente de idade com cara de gente de idade
- porcelana inglesa
- viajar
- papo inconsequente
- receber convites
- surpreender
- flores
- contemplar a natureza
- estar de bom humor, pessoas bem humoradas
- compartilhar
- comer muito
- falar ao telefone
- receber e escrever cartas (ai, que antigo!)
- cores
- panos
- me cercar de beleza
- bordar
- Chico Buarque
- Hair
- silêncio
- receber pessoas em casa
- fazer festas
- jovens
- cantar
- dançar
- ficar em casa
- resolver questões
- dar conselhos
- olhar e ver
- me apaixonar, por mais perigoso que seja!
- olhar prá eles e elas
- ter insights
- ousar
- dignidade
- dançar junto
- ser honesta
- manter viva a jovem
- fadas
- sonhar
- ficar até tarde acordada
- caminhar no parque
- transgredir
- sutileza
- ficar muitas horas na cama
- poesia do Vinicius
- amor matinal
- cheiro de café
- vermelho e preto
- ser aceita
- recordar
- usar branco
- ultrapassar limites
- prosa do Drummond
- estar viva!
Convido a quem quiser compartilhar, que faça sua própria lista. A do desgosto fica prá outro dia.


sábado, 16 de abril de 2011

Aqui, agora, já!

Minha amiga Vascô reclamou da falta de postagem. Com razão. Travei. Quiz escrever um adeus prá Cunha que se foi há um mês. Não fiz. Quiz comentar dois ou três filmes que me disseram alguma coisa. Não deu. Pensei em comentar um livro que amei. Qual o quê. Me senti, nesses tempos, e ainda me sinto como se estivesse sendo empurrada prá lá e prá cá, o mundo me bombardeando, o trabalho interno me puxando, um vazio, preenchimentos, cena, figurinos, expectativas, a vida em suspenso, intensa, sendo vivida num fio ao som de tambores, cores, purpurina e Beatles, contraditória. Águas devastando cidades, deuses!, que difícil confrontar ao vivo, em cores, o pesadelo recorrente companheiro de infância, adolescência e maturidade! Ali, na cara, devagar e sempre, sem som, as águas carregando a vida, transformando matéria em escombro, afogando respirações. Foram-se anéis e dedos. Nesses momentos, reza-se com mais fervor! Colada à insegurança, à visão palpável da impermanência, o agradecimento: estou viva, a filha está viva, os amigos estão vivos, a família está viva! Aqui e agora, estamos em segurança. Enquanto a cunhada se despedia. Lá se foi, gerando com sua viagem espirais de mudanças indesejadas, promovendo questões que não se respondem, às quais ainda não se encontraram as soluções. Há quem prefira morrer a se mexer. Há quem prefira perder a chance, deixar prá outra o que talvez pudesse ser dissolvido agora. (Ou não é nada disso?). Há quem sequer consiga sentir o dedo mínimo, tal a rigidez. Há quem acredita que é melhor morrer do que ceder seja a dor, seja um pouco menos de autocomplacência, sentimento que os anglo-saxões desprezam, um pouco mais de auto-amor, que sei eu? E há os que julgam os outros. É assim, é assado, poderia ter sido diferente, deveria, tinha que, ái, que cansaço!!! A existência tem sido   regida por cores. Cinza, tons escuros, muito escuros, tons pastéis, vermelho intenso, um leve dourado. Anestesia, antiinflamatórios, antibióticos, repouso, inchaço, tonalidades de cinza chumbo a preto. Regada a episódios de Law & Order e manchetes do Jornal Nacional, vira breu! No ensaio de (Be)atriz, as cores se tornam fortes, vibrantes, ráfagas de amarelo, laranja, rosa forte, até vermelho pinta. Às vezes, me sinto como João Bobo, sendo empurrada de um lado prá outro, amparada, sim, mas sem descanso. Dá prá desabar? Dá prá dizer que é muito de uma vez só? Que estou com medo? Que está difícil segurar a onda e ser madura? Que é muita coisa junta acontecendo ao mesmo tempo, sem pausa prá um bom picolé sem culpa? E a lapidação continua... Mais objetos tomando outros rumos, boas notícias da turma de longe, intuições aflorando, cursos novos, novos enfoques, aprendizado, mudança de química, belos dias de outono, dicas de amigos para questões difíceis, suporte, o amparo dos braços de quem encaminha o João Bobo, sem pausa. O picolé fica prá um intervalo qualquer que será não sei quando. Quando? Dá prá perguntar? Sem lamentações nem queixas. Não dá prá comparar. Dizem que o frio vem conforme o cobertor. É possível. Há novas maneiras de se colocar a cadeira prá ver o sol, os ângulos variam, e aprendi que a onda vem forte, mas passa. Que cada vez que a terra treme, a lama sufoca, os prédios caem,  há florais que ajudam a superar a dor, há medicamentos para o corpo e para a alma. O poder, o poder de verdade, o poder da verdade, esse, é imutável, presente. Aqui e agora, nessa respiração, o ser é. E não há nada que possa alterar a consciência daquilo que é. Os cães acreditam que são humanos. Os gatos acreditam que são deuses. É assim que é.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Domingo, simplesmente

Rod Stewart na vitrola ("we´ll never meet again"), quiabos já lavados e enxutos, prontos  para grelhar, arroz cateto básico esperando pelas abobrinhas com alecrim, azeite extra virgem. Tudo light como o dia abraçado pelo vento sul. Dvds aguardando na mesa dourada, um deles já visto: "O ano em que nos conhecemos", interessante para os meninos e para aqueles que pretendem entendê-los um pouco melhor. Auto-ajuda para boys? Coreografia rápida aproveitando o embalo sensual da música, só prá curtir, só prá lembrar, só para fazer o corpo respirar curvaturas lânguidas, movimentos calmos, sutis. Chiquita escovada, alimentada, banheiro limpo, fica por perto, na espia. Ela também curte muito esses momentos de solidão gorda, solidão só porque se está só, solidão plena de companhia, solidão de auto-amor, uma bela de uma solidão energizante.
Ontem, "Zylda: anunciou, é apoteose!" reiniciou os trabalhos. Repaginamento do espetáculo. A turma da coreografia trabalhou bonito. Reencontro do elenco incompleto: alguns viajam, outros fazem curso fora, outros  ficaram curtindo ressaca e não apareceram, coisa feia!
Vou respirando homeopaticamente o retorno ao cotidiano de providências. Continuo impactada pela leitura de "A arte de curar pelo espírito", que releio. Não dá ainda prá comentar em profundidade. Mexe demais com questões de fé e crenças. Como é que se conecta e se entrega a um "Deus" que castiga? Só retirando com fórceps a crença enfiada goela abaixo pelo sistema, sociedade?, judaico-cristã-muçulmana! O povo dos livros sofre, gente, e faz sofrer, é óbvio! Se há castigo, há culpa! Pobres de nós que já nascemos com o pecado original, é possível uma coisa dessas? Onde a culpa nos leva ou tem nos levado? E o "Deus" de amor onde é que fica nisso tudo? Se há Amor, não pode haver nem culpa nem castigo, está tudo certo, no lugar certo e nós é que não sabemos olhar, nós é que não vemos!
Consegui recuperar os textos que havia postado no antigo blog. Desses milagres que acontecem e não se explicam, ou não seriam milagres. Havia um especial que eu estava lamentando muito ter perdido. Chama-se "Credo" e tem tudo a ver com essa tarde de domingo, simplesmente. Lá vai:

Assim como existem as crenças limitantes  negativas que alicerçam nossos enganos e falsas suposições, (entre outras coisas), há aquelas que iluminam nossa vida.
Listei algumas que funcionam para mim:

Creio na beleza em todas as manifestações,
Creio na espiritualidade transmitida pela arte,
Creio no poder regenerador do perdão,
Creio na imortalidade da alma,
Creio nas pétalas balsâmicas que os anjos derramam sobre nós,
Creio na vontade evolutiva do ser humano,
Creio no poder transformador da Tradição Sufi,
Creio na Energia Universal transmitida pelo Reiki,
Creio na existência e amparo da Espiritualidade Amiga,
Creio no amor incondicional,
Creio na restauração da essência humana,
Creio na amizade,
Creio na sutileza do espírito,
Creio na ajuda dos Mestres,
Creio na oxitocina gerada pela amizade entre mulheres,
Creio no poder curativo de uma boa risada,
Creio na capacidade centralizadora do silêncio,
Creio no olhar amoroso,
Creio no diálogo corpo/espírito através da dança,
Creio na música das esferas,
Creio na força dos guardiões do planeta, os orixás,
Creio na unidade essencial,
Creio que o que está no outro, está em mim,
Creio que o que está em mim, está no outro,
Creio na elevação espiritual,
Creio na superação das dificuldades,
Creio que evoluir é possivel,
Creio que é possível tornar possível o impossível,
Creio em milagres,
Creio na abundância das benção divinas,
Creio que Deus está em mim,
Creio que Deus está no outro,
Creio que Deus está na natureza,
Creio que Deus está aqui,
Creio que Deus está ali,
Creio que Deus está aí,
Creio que o sofrimento é desnecessário,
Creio que a luz ilumina as sombras,
Creio que a coragem para enfrentar as sombras produz luminosidade,
Creio que cada um tem seu tempo, as moscas, inclusive,
Creio que um templo pode ser um teatro,
Creio que um teatro pode ser um templo,
Creio na cura quântica,
Creio no processo passo a passo,
Creio que a palavra tem poder,
Creio em manifestações amorosas,
Creio na intenção motivadora,
Creio que amar é possível,
Creio que amar transforma,
Creio que amar transmuta,
Creio que amar faz evoluir,
Creio que quem procura, acha.

(postado em julho de 2009)

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

lixo, luxo, eixo

Sabe aquele dia em que a agonia é maior que a satisfação? Aquele em que se tem vontade de mandar tudo pro inferno, deitar na cama, se cobrir até as orelhas e esquecer que existe vida e que você está nela? Ou então, pegar todos os objetos que fazem parte da sua existência, longa existência, e jogar tudo fora, depois de quebrar em pedacinhos todos eles, transformando-os em cacarecos inutilizáveis, sem validade prá mais nada, a não ser levar com eles todo o significado que tiveram um dia, se é que tiveram?
Pois é, hoje, eu estou assim. Tá difícil suportar a chuva constante, a dosagem homeopática de objetos descartados (arrumação dos CDs. Ouço CDs, sim, não uso MP3, 4, 5 ou 21!), a sensação de sufocamento provocada pela vida que se carrega nas costas, paredes, gavetas, vida cheia de projetos não realizados, projetos realizados, quadros produzidos, lembranças gracinhas, outras nem tanto, roupas que são usadas de vez em quando, mas que não dá prá jogar fora (há que ter um pretinho básico no guarda-roupa!), frases compiladas, livros, ai meu Deus!, livros! Juro que doei um monte deles prá algumas bibliotecas, pelo menos três. Devo ter tirado das estantes cerca de 1000 volumes. Parece pouco? Parece muito? Não sei. Fui atacada por uma alergia que me fez doar obras que não terei mais, nem em edições recentes. Obras que não serão reeditadas, que estavam velhinhas, velhinhas. "Quo Vadis" se desfazia nas minhas mãos quando o reli, não faz muito tempo. Que delícia de leitura! Como deve ter sido difícil para os primeiros cristãos a revolução que provocaram... Mudança de paradigmas profundos. Todos irmãos? Que história é essa?, se perguntavam os romanos cheios de si. Como se identificar com alguém de classe inferior? Os deuses serviam aos homens e eram cultuados para isso, realizar o desejo dos que lhes cultuavam. Fico imaginando como seria isso. Como era ter à disposição a energia de um Ser da dimensão de um Jesus, se contrapondo a deuses de certa forma servis. Trazemos até hoje essa idéia de que a força divina está aí para realizar os nossos desejos e ficamos só pedindo, pedindo, pedindo. Pois é, hoje, estou pedinte, também. Aceito o estado esquisito, estado de intoxicação energética, estado de saco cheio de tantos kilos a mais, de tanta idade vivida, de tantas lembranças, nem todas felizes ou satisfatórias, de um bocado de incompetência minha e dos que estiveram em torno de mim, de risos, sim, momentos deliciosos, momentos de grande serenidade, aqueles em que nem os filhos distantes fazem falta, em que estamos plenamente no agora, em que sentimos que não falta nada, o vazio foi preenchido seja pela oração conjunta, seja pelo lugar especial, seja pelo estado que chegou e se instalou e que é guardado na memória como preciosidade. É, isso existe. Lembrar dessas ocasiões benditas faz com que a agonia se dilua, a chuva se torne a delícia que é quando não é o chicote da natureza sobre nós, seres humanos mal-educados e mal-agradecidos. Lembrar faz com que a respiração ganhe um ritmo mais lento e adocica o olhar sobre os objetos, sobre a vida que eles evocam, sobre a arrumação conseguida. Reduzir, reciclar, compartilhar experiências. Reduzi o espaço em que vivo. Reciclo o lixo que produzo, transformo batiks em bordados, me desfaço daquilo que não é mais essencial. Alguns não foram nunca! Apenas estão aí, fazendo volume, ocupando espaço, transformando a abundância em peso ou desperdício. São assim também as emoções, ressentimentos, mágoas. Já que estamos nesta vida prá aprender e acredito nisso, como nos permitimos a raiva, a negatividade nas relações de aprendizado? Questão difícil. Ihh, ainda há muito caminho prá andar, muito espinho prá tirar dos pés, muita massagem no coração que fica dolorido assim, à toa. Mas, sigo em frente. Resmungo, dou patadas, me arrependo, fico quietinha, passo mel onde precisa, repito o que aprendi, chamo o Zé (nossa, de onde surgiu isso??!!! será que foi por conta dessa expressão que me casei com um Zé?!!!), olho a paisagem da janela, curto o verde, dou uma cafungada no ar que chega da Praia do Riso, lindo e plácido mar que se oferece aos meus olhos e me sinto a própria Januária! Depois, uma retomada no livro que me espera, mais um ponto no bordado que começa, um gole de um chazinho reconfortante para o fígado e pronto, a vida recupera o ritmo com menos frenesi e angústia. Isso é prá quem ainda não sabe. Isso são recaídas indesejadas, inegáveis. Nem sempre a maturidade está disponível, é como se a presença divina se escondesse  e fosse preciso dar um mergulho um pouco mais fundo para resgatá-la. Está feito.
"Como é bom poder tocar um instrumento"...

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Dia de amigas

Maria da Graça veio almoçar comigo. Fazia muito tempo que não nos visitávamos, ela, às voltas com filhos e netos e eu, por aqui mesmo. Inventamos um bazar e aproveitamos a ocasião de recolher os objetos, para um tricô básico. Fiz um peixinho assado prá comermos e brindamos com água de côco. Como diz meu amado Chico, "quem te viu, quem te vê"... (Temos em nosso histórico compartilhado litros e litros de diversão regada a vinho, cerveja e espumante.) Será velhice? Será juízo? Será consciência trazida pela maturidade inevitável? Tim, tim. Conversamos um montão e, se falamos de outros, além de nós mesmas, foi bem pouco: estávamos ansiosas para trocar figurinhas, contar nossas descobertas (chá de sucupira é o must do momento), rir das alergias que nos assolam, comentar o quinhão que nos toca nessa vida de aprendizado, já que fazemos da busca pelo autoconhecimento o nosso motivo maior. Bom compartilhar as vitórias dos nossos filhos, elas são nossas, também. Bom saber que tem gente protegendo nossas fontes e matas, pessoas dedicadas ao bem comum que vivem de forma simples, no chão batido, fogão a lenha, comendo sem agrotóxicos, mas utilizando no trabalho comunitário todas as descobertas avançadas da tecnologia. No bazar, lá se vão mais ítens dos 100 que me propus descartar até meu aniversário. No fim do ano, descartei os 100 primeiros. A sensação é tão boa, que resolvi investir em menos 100. Já estou no ítem 67. Tenho duas semanas prá desapegar de mais 33. É um exercício e tanto. E vai-se descobrindo o que realmente importa. Venho de uma geração que guarda tudo, como bem descreve Eduardo Galeano. Me faz mal o consumo desenfreado e o troca-troca constante tão em moda. Mas, desapegar é um verbo que precisa de conjugação exatamente pelo hábito de guardar. Precisamos ter, ter, ter por não acreditarmos no suprimento, na abundância à nossa disposição. Acreditar na miséria é uma criação coletiva do ser humano. Como se a felicidade, o bem estar viessem de fora, estivessem longe de nós. Anos de crença limitante... Bombardeio externo em busca de ter. Quem sabe um dia seremos...
Continuando o dia de amiga, fui visitar o blog da Vascô. Um prazer. Escreve bem, gostoso, solta os cachorros, brinca, inventa histórias. Vascô é amiga de longa data. Me socorreu em momentos turbulentos, compartilhamos muita vida e sempre nos vemos quando vou ao Rio. Prestigiou a festa dos meus 60 anos, no Campeche. Que delícia tê-la e ao marido ali, na minha casa, no meu jardim! Amizade é um bem único. É enriquecedora a troca entre pessoas com referências comuns. Mesmo que os fatos se misturem na memória alterada pelo tempo, pelo "alemão" que ronda nossos neurônios... Se fosse possível, estaria com minhas amigas de longe muito mais vezes no ano e por mais tempo. Aproveito o momento e declaro a todas e todos, que também há homens nesse rol, os de longe e os de perto, que tê-los é um presente imenso, uma benção renovada, mesmo aqueles que já se foram, seja do planeta, seja do convívio, seja do coração. Amo meus amigos, são fonte de nutrição, embora tenha vontade de bater em alguns, eventualmente! Nos momentos em que vemos a saída tão clara e eles insistindo em manter os olhos fechados! Mas, fazer o quê? A vida de cada um a cada um pertence e temos mais é que cuidar da nossa própria, protagonizando nosso agora. Agora.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Aquecendo as turbinas

Prometi a mim mesma que escreveria com mais frequencia, afinal, é um exercício que muito me agrada, escrever. Então, vamos lá.
Adoraria ter escrito mais cedo sobre as férias no Pântano do Sul, praia deliciosa no sul da Ilha, cheia de barquinhos de pescadores, restaurantes à beira da areia dura, boa de caminhar por ela, mas dei uma adoecida pós retorno ao lar. Agora, a vida cotidiana já retomada, quero compartilhar a delícia que foi. O mar do Pântano do Sul é frio, cercado por morros e dunas tombadas pelo Ipuf, não se podendo construir nelas, e o desenho é de uma pequena enseada, talvez não tão pequena como pode dar a impressão. Consigo percorrê-la desde o costão esquerdo até a divisa com a praia da Solidão e voltar em 40, 50 minutos aproximadamente, sem muito esforço. Como o vento sul andou soprando, a água estava mais quentinha. As férias se passaram em meio aos cantos de sabiá, muitas plantas, sol forte e chuvaradas. Li alguns livros, bordei um pouco, consegui dar uma revisada na base do curso de italiano, comi muito, bebi cervejas, algum vinho e umas champagnes. Cozinhei, também. O marido relaxou bastante, namoramos, recebemos amigas no nosso chalé, nos deleitamos com o só fazer o que queríamos, com o não compromisso, fundamental para refazer as energias gastas durante o ano que foi bem puxado. Até hoje me surpreende o fato de a harmonia entre duas pessoas ser possível, de haver integração serena e terna sem exigências, nem desvios de comunicação. Durante toda a minha vida, nos meus relacionamentos mais íntimos parece ter havido como que um véu empanando o fluxo dos sentimentos mais leves. Só agora, já com a idade que tenho, depois de passar por inúmeras crises e superar todas elas, ou pelo menos não ficar tão incomodada com elas, é que usufruo de momentos de paz na relação. (Tem gente que é complicada mesmo e me incluo no rol. As esquações a serem resolvidas se sucedem). Será que é a maturidade, finalmente? Será que é porque não preciso mais provar nada prá ninguém? Será que é por ter finalmente compreendido que o negócio é comigo e que minha felicidade depende só de mim e do jeito com que lido com os perrengues que nunca deixam de incomodar? Não que eu tenha ficado um amor de criatura, ihh, longe disso. Há uma agonia, uma impaciência, uma irritação que fazem parte da personalidade, que escapam ao controle, quando vejo, pronto, já estou soltando os cachorros. Há momentos que exigem posicionamentos mais cortantes, mas por que cargas d´água é o mais próximo que tem que sofrer o desequilíbrio emocional que descentra e separa? Na praia, vivi instantes de unidade. Fico feliz e agradecida por conhecer o fluir silencioso do amor por outra pessoa. Não é necessário dizer nada, declarar, nem há arrebatamentos, é um sentir quase contemplativo, como se o ser do outro fizesse parte do nosso proprio ser, sem distâncias. Talvez seja esse o sentimento que Chico Buarque chama de a "calma dos casais". Anos de intimidade, idas e vindas, conversas e mais conversas, terapias, orações e eis que acontece.
Há uma regra de comportamento sufi que recomenda guardar na memória momentos de bem-estar para poder usar quando as coisas não estão correndo tão bem como gostaríamos. Antes de voltar prá casa, olhei um vestido que comprei da griffe "Arara na Areia" e lembrei que fiquei tão feliz quando o adquiri que ele se tornaria um símbolo da alegria vivida ali, na simplicidade de tomar um banho de mar, dar uma caminhada, sentar com os pés na areia, comendo umas ostras ao bafo, um peixinho frito, de ouvir deitada na rede o canto afinado de um sabiá, rodeada de silêncio, sons de folhas, água rolando no pequeno lago, de estar com os livros escolhidos para aquela ocasião, de dar pontos no bordado do momento, apenas sendo o que sou, apenas observando o outro ser o que é e pronto. Por um tempo, curto que seja. Gravando nos registros da vida, tecido feliz.