Fico pensando nos jovens e nos nem tão jovens assim de hoje em dia. Estão todos "surpreendendo o sol, antes do sol raiar, saltando noites sem se refazer" tal a correria que o neo-liberalismo assassino exige. É brutal o que vem acontecendo no planeta, é esmagadora a pressão. Até hoje, com todo o avanço tecnológico, continuamos selvagens, bárbaros, desconectados com o que há de mais verdadeiro em nós mesmos. À medida que envelheço, fato muito difícil de aceitar, não só por vaidade, por disponibilidade, mesmo, percebo os ganhos que as milhares de horas vida me deram. Um deles é o amor. Pois é, sei que é quase impossível (insisto no quase, já que "impossível" como "para sempre" são sempre por um triz, como sabemos todos), então, torna-se quase impossível, nessas alturas da trilha, viver uma nova paixão, aquela que nos deixa sorrindo bestamente só de lembrar que o outro existe, de um instante qualquer compartilhado, aquela que faz o coração disparar, os músculos tremerem, o suor escorrer, que nos impulsiona à ousadia, a embonecar a alma e o corpo, que tira o sono, acelera a respiração, faz o sangue correr feito o Amazonas em seu encontro com o mar. Relembro as que vivi, não foram poucas, coração vagabundo que me coube, e colho outro tipo de sentimento. Gostaria de ter a precisão, a sensibilidade e a genialidade de uma Clarice Lispector prá destilar gota a gota o que acontece. É tão sutil e tão precioso que nem sempre é percebido, nem sempre se deixa vivenciar. Atordoa sem desequilibrar, preenche sem suor, cura sem arder, escorre feito seda na pele interna do coração, morninho, suave. Foram precisos muitos anos prá construir esse sentimento. Muito encontrão, espadas tilintando, palavras, palavras, deuses!, quantas palavras foram ditas, escritas, lidas, trocadas, em voz alta, em tom baixo, às vezes, aos berros, quantas decisões, idas e vindas, distâncias, dores, lágrimas, champagne, jardins, risos, regados todos os senões e sinais de mais pela necessidade suprema de ser de verdade, de ser prá valer, não um truque qualquer. Não é a bela bunda, os seios turbinados, a barriga de tanquinho, os botox, lábios inchados, pele esticada, a mentira da juventude eterna a qualquer preço que vão trazer o sentimento que descrevo. Não são os títulos conquistados, as batalhas ganhas, o carro novo, a fama, nem o status que o trazem. Tampouco as perdas. Não é o que está fora, o que atraiu ou acendeu o fogo. É o jogo das pedrinhas, talvez, o escravo de Jó jogando caxangá, num tira e bota diário, a canção sutil da conquista sem esforço e ao mesmo tempo com muito, muito investimento na qualidade verdadeira do que se busca, do que se quer, do que se precisa. Atenção às necessidades da alma, da própria alma, que a fonte nela está. É no próprio coração que mora o amor, é na própria morada e é atentando prá ele, prá mim, prá dentro, que surge o imponderável, o que não tem peso, nem juízo, nem limites, nem idade, nem destino, nada. O nada preenchido dessa carícia leve e inesquecível, desse sopro possível, possível, possível entre almas que se amam! Um ponto de luz.
Salve, Gotty, saravá!
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