Amanhecer no Campeche

Amanhecer no Campeche

terça-feira, 3 de abril de 2012

DAR

Seriam os verbos dar e doar sinônimos? Segundo o Aurélio, dependendo do emprego, sim, seriam. Quando se doa, se dá? E quando se dá, se doa? (De preferência sem doer).
São muitas as implicações do verbo dar, que é o tema em questão. Entrega, por exemplo. Na gíria, usa-se dar se referindo ao que é penetrado sexualmente. No entanto, dar, nesse sentido, é uma troca. Se dá prazer, se recebe prazer (na melhor das hipóteses). Quando há envolvimento afetivo, quem dá e quem recebe, quem troca se nutre em níveis que ultrapassam o meramente físico. Não só o centro energético básico é ativado. O amoroso também é e o bem-estar se prolonga por horas... Coisa rara de acontecer no comportamento descartável e descomprometido que se tornou o padrão sexual de hoje e que leva os envolvidos à insatisfação constante e consequente busca frenética por mais e mais prazer. "Era livre, sim. Podia me entregar a quem quisesse e me entreguei. Dei meu corpo, minha alegria. Mas, sentia-me vazia. Esvaziada assim que qualquer corpo acabasse de me preencher." (Considerações de BEATRIZ sobre sua atuação na área "amorosa")
Saindo do âmbito sexual, dar, no sentido material, tem a ver com desapego, renovação de energias. Será por acaso que recebe-se tantos pps sobre se libertar de objetos que não tem mais sentido, que triscaram, de roupas que não cabem mais no armário, sapatos? Campanhas e mais campanhas de doação para os menos afortunados? Seria um exercício de generosidade?  Comandado por quem? Pelos mentores espirituais do planeta? Um grande mestre sufi recomenda a prática da generosidade nem que seja como remédio. Uma forma de ir além do egoísmo. Despojamento. E o que é egoísmo? Se nutrir com a própria gosma. Só pode dar indigestão. Consultórios cheios. Sorte de quem se dedica à profissão de terapeuta, na qual me incluo, quando não estou em cena. Giramos, mergulhamos em nossos meandros, criando formas-pensamento destruidores para nossa auto-estima, nos tornando "interessantes" pela dor que infrigimos a nós mesmos, pelo prazer de degustar quanto somos sofredores, nos compadecendo de nós mesmos pelo que nos vitimiza... Egoísmo. Egoísmo em escala elevadíssima. Tenho direito a tudo porque sofro, o calvário me serve de salvo-conduto para a negligência recompensada nos ceús! Pobre Cristo eternamente preso na cruz, atrelado à dor que se renova a cada ano, infalivelmente! É carma!, dizem os que se pretendem espiritualizados. Estou pagando pelo que fiz em outras vidas!, esbravejam ou se lamentam, envoltos na forma-pensamento do crime e do castigo. O planeta transformado em vale de lágrimas! Será que é assim mesmo?  Tem também aquela história de  a mão esquerda não saber o que a direita dá. Será que meros mortais pecadores como somos todos nós, buscadores da verdade ou não, será que conseguimos atingir um grau tão elevado de doação humilde? Está certo que não fica nada bem contribuir com algum orfanato, asilo ou similar e sair estampando em todos os tablóides ou comentando com os amigos a "generosidade" vaidosa... Mas, será que conseguimos não dizer a nós mesmos que fizemos um ato de desprendimento? Nos contos orientais é recorrente a maneira como reis, mercadores, príncipes distribuem riquezas e presentes para os necessitados. É bonito.
Me pergunto: compartilhar arte com o público é doação? E trocar intimidade com alguém? Dar e servir tem o mesmo significado? Onde termina a doação e começa a vaidade? Saber receber afeto é uma dádiva que se faz a si mesmo?
Não sei responder. Alguém pode me dar as respostas?

quinta-feira, 15 de março de 2012

MILAGRES

Não me venham dizer que milagres não existem, afinal, como afirmava um grande jogador de Tarô, (cadê você, Beto Sandeh?) a vida é um milagre!
Em geral, eles são relacionados com aparições de santos, grandes salvamentos durante catástrofes, curas súbitas, fatos extraordinários, fora do normal. Acho até que a definição da palavra se refere a isso, alguma coisa que não se explica naturalmente. Graças a esse conceito não prestamos atenção ao que nos acontece quase silenciosamente, de maneira sutil, sem grandes alardes, que pertence à classificação do tema. Esquecemos, por exemplo, o som tocando e ao voltarmos, a casa está preenchida por música doce, encantatória, que nos massageia a alma, complementando o prazer do retorno, de estar de volta, trilha   sonora de um estado especial trazido sabe-se lá porque. Isso que ao sair, estávamos um pouco estressados com a quantidade de energia gasta inutilmente, com preocupações que assaltam a mente mesmo com as tentativas de se "manter em paz apesar de". Sabe aquele dia em que estamos exaustos, em que temos que lutar contra os pensamentos negativos que insistem em alfinetar nossa cabeça, e o fazemos, relaxando, dando uma rezadinha, repetindo um zikhr, um mantra com a intenção de mudarmos o estado emocional para outro mais elevado, e eis que inesperadamente, um passarinho entra pela janela, dá uma voltinha na sala, e sai, deixando um gosto de surpresa amorosa nos olhos, uma visita especial, uma carícia inesperada. Milagres. Como não ser grato pelo milagre de acordar diariamente, de dormir quando se tem sono? De comer quando se tem fome? De ter água fresca pra matar a sede? Lembro de uma história que alguém contava há muitos anos atrás: um buscador foi atrás de um homem santo que tinha a reputação de fazer milagres. Quando o encontrou, perguntou-lhe o que fazia, como conseguia realizar atos extraordinários. O sábio sorriu, respondendo que seus milagres eram muito simples: ele comia quando tinha fome, bebia quando tinha sede, limpava sua casa quando estava suja... Nunca esqueci essa história e, de alguma forma, ela me fez ficar mais atenta às sutilezas do cotidiano, ao que acontece assim, sem mais nem menos, encontros inesperados que trazem sorrisos ao rosto e cantos ao coração, deitar à noite em uma cama gostosa e entregar o corpo ao descanso, com um bom livro nas mãos, um peito aconchegante onde encostar a cabeça, o toque em um pele macia, o perfume de flores no caminho diário, o voo das andorinhas quando entardece, o gatinho que propõe uma brincadeira, uma frase bem escrita, o primeiro gole de uma cerveja gelada depois de um tempo de abstinência, o silêncio da madrugada, o riso longínquo de crianças brincando, o cheiro do café recém passado de manhã, o calor do sol na pele, um mergulho no mar, ah, milagres incontáveis, são tantos! A riqueza da vida nos acaricia enquanto as tarefas difíceis nos assoberbam. Basta olhar. Basta perceber. Basta amar. O que não deixa de ser um milagre...

domingo, 19 de fevereiro de 2012

As Meninas do Coronel

Há quem diga que a vida é feita de escolhas. Concordo parcialmente com a afirmação. Muitas vezes, elas se impõem. Como hoje, por exemplo. Domingo deslumbrante de carnaval, amigos se reunindo para o "esquenta" regado a carne e cerveja (a boca saliva) e eu aqui, sentada em frente ao computador, prá falar de desejos não satisfeitos, da aceitação inevitável do inevitável.
Quando eu era criança, e lá se vão muitos e muitos anos, minha mãe festejava meu aniversário reunindo a meninada da rua onde morávamos e filhos de parentes. Muitas vezes, a data coincidia com o carnaval, como neste ano de 2012. Lembro da mamãe sentada ao piano, tocando marchinhas e nós,  a criançada, fantasiados, nos divertindo muito e tomando guaraná em copinhos de papel decorados com desenhos, a mesa posta cheia de docinhos e daqueles espetinhos de salsicha, queijo  e azeitona, sanduíches triangulares de paté, servidos em pratinhos também de papel decorado. Havia também a travessa grande com as balas de coco enrolados em papel fino colorido com a ponta cortada em tiras que dava ao conjunto um ar de aplique de cabeça de escola de samba, um delírio para os olhos e para o paladar. E, claro, o bolo com tantas velinhas quanto os anos da aniversariante. Todas as comilanças eram feitas em casa. Do bolo aos docinhos, espetinhos e sanduíches, empadinhas, pasteizinhos e croquetes. Mamãe tocava as músicas de ouvido, ou seja, ouvia, ia para o piano e tirava. Um deleite.
Já adolescente, ia aos bailes do Fluminense. Houve um ano em que fizemos um grupo de índias bem comportadas. Éramos a Vera, a Maria Helena, eu e a Suzette. Deuses, onde andam essas amigas? Comecei a seguir o caminho do teatro, assumi meu lado contestador, iconoclasta, a usar palavrões e já não  era mais bem aceita nos lares conservadores que formaram. Lembro de ter sido convidada para um jantar na casa de uma delas que me pediu encarecidamente que moderasse a linguagem prá não chocar o marido. Cumpri o trato, mas não adiantou, nos perdemos de vista. Não me lembro de tê-las visto na platéia das peças em que atuava. Mudei de cidade e não deixei endereço. 
Quando cheguei aqui, em Florianópolis, o carnaval fervia na Pça. XV e o ponto de encontro era no antigo restaurante Roma. Que delícia! Eu que já tinha rompido um pouco com o desvario carnavalesco, reassumi o prazer com todo o gosto. Fizemos um bloco lindo, As Meninas do Coronel. Herdei um terno de linho branco do avô da minha filha e me enrolava nele desfrutando das delícias   de me travestir durante a folia, sem correr muito o risco de mãos passando na minha bunda, nem de ser abraçada por quem quer que seja. Sempre gostei da liberdade de dançar livre nas ruas, hábito adquirido na Banda de Ipanema, da qual tenho honra de ter participado da sua primeira saída, do antigo Jangadeiros, na Gal. Osório. Abrimos o carnaval, no sábado, eu, de Coronel e as meninas Lola, Angélica Virgínia e muitas outras. Nos outros dias, fui de Margara Marafa, a dona do bordel. A música tema era das Frenéticas, uma que não fez muito sucesso, pelo que diz Sandra Pêra, composta pelo Chico: "o rei pediu quartel, foi proclamada a república nesse bordel" Foi um sucesso! O grupo era paquerado, adulado e estávamos maravilhosas! 
Com a violência instalada na cidade, já não saíamos, fui prá fora e na volta, eis que foi fundado o ONODI, bloco do bairro onde morava, que me fez curtir de novo o carnaval. Nele, nas areias da praia do Campeche, festejei a vida celebrando a oportunidade que me foi dada de continuar a respirar os ares do planeta. Tenho dançado muito e me divertido a valer no bloco dos amigos do bairro, companheiros de cervejadas, churrascos e feijoadas, nada muito leve, eu sei, mas "de vez em quando, não faz mal..." Num dos anos, fomos nos banhar no mar depois da festa, mergulho inesquecível. O ONODI tem sido a grande diversão do meu carnaval. Seo Chico, que se foi ano passado, esperava o bloco passar em frente à sua casa, Dona Nicota, Dona Didi, mulher do Arlindo que tinha um botequim na esquina da rua em que eu morava, transformado atualmente em Assembléia de Deus, ou algo similar, todos homenageavam a passagem do bloco, momento de confraternização e reconhecimento dos moradores do bairro, atualmente invadido por prédios, descaracterizando-se passo a passo, mas firme na alegria dos seus habitantes  mais fiéis e no trabalho dos seus dirigentes Isolete, Cadico, Paulinho, Milton.
Neste ano, pois é, completo meus muitos anos na terça-feira Gorda. Nem mamãe, nem copinhos de papelão, nem marchinhas de carnaval. As dificuldades de locomoção da cidade aliadas a um probleminha nas articulações do joelho e tornozelo e a uma baixa energética atribuída à véspera do aniversário me obrigam a ficar em casa, olhando o céu, desejosa de estar às gargalhadas no "esquenta", trabalhando internamente a frustração inegável e, de certa forma, agradecida por estar a salvo de dores mais sérias caso insistisse em ir (breve, BEATRIZ volta aos palcos e quero estar tinindo em Itajaí, onde nos apresentaremos), por ser capaz de respirar e aceitar o que não tem como evitar, por ter recebido uma galinácea quentinha trazida pelas mãos gentis do marido que escapou das suas obrigações de filho prá agradar a mulherzinha e por "poder tocar um instrumento", não com a maestria de Caetano ou Chico, mas do jeito que me cabe, que é este.

Legenda da foto: Ah, droga, eu quero ir pro bloco!

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Boas vindas a POSEIDON

Há quem tenha nascido no signo de Peixes. Há quem tenha ascendente astrológico em Peixes. Há quem tenha em seu mapa o Sol na casa 12, casa regida por Peixes. Há quem tenha tudo isso ao mesmo tempo. Ou seja, caso exista Destino, (que me perdoe o Perpétuo irmão de Sandman, ou Dream) o que estaria escrito na página referente a um ser assim? Prá começar, já que são muitas as relações entre os vários planetas e as tendências que elas apontam. (Que me perdoem os céticos, mas um mínimo de conhecimento de Astrologia no século XXI é fundamental, tal qual a beleza em uma mulher, como queria o poeta). Netuno, para os romanos, Poseidon, para os gregos, rege o signo de Peixes. Artista, místico, sensível, confuso, enganador, idealista, sonhador, íntimo com aspectos espirituais da natureza humana. Algumas características daqueles que tem Netuno forte em seu mapa. Urano, o planeta transgressor, aquele que detona postes, ou muda ou...muda, partiu de Peixes, e Netuno está entrando nesse signo, seu signo, lavando a alma, fortalecendo os aspectos positivos de seus filhos, inundando os corações, favorecendo a criação do que precisa vir à tona, ser compartilhado. A intimidade também tem a ver com Netuno. Arte, beleza, fé, percepção expandida. Não sou expert em Astrologia, embora me interesse desde criança pelo assunto, mas, fico feliz em saber que nos próximos 25 anos, o planeta regente do meu signo, (sim, sou pisciana assumida), estará comigo, como pai compreensivo, aquele que é capaz de me acolher, me reconhecer como filha, me abrigar em suas águas que, tenho certeza, terão a temperatura necessária para dissolver calores excessivos ou frios intensos, nas quais poderei nadar sem medo, boiar sempre que precise descansar, mergulhar com confiança, trazendo à superfície o que for capaz de colher nesses mergulhos, em oferta permanente de afeto, cumplicidade, compaixão.
O que não impedirá que a ressaca aconteça, afinal, como sabemos todos, tubarão e piranha também são peixes...
Bem vindo, Netuno!