Não me venham dizer que milagres não existem, afinal, como afirmava um grande jogador de Tarô, (cadê você, Beto Sandeh?) a vida é um milagre!
Em geral, eles são relacionados com aparições de santos, grandes salvamentos durante catástrofes, curas súbitas, fatos extraordinários, fora do normal. Acho até que a definição da palavra se refere a isso, alguma coisa que não se explica naturalmente. Graças a esse conceito não prestamos atenção ao que nos acontece quase silenciosamente, de maneira sutil, sem grandes alardes, que pertence à classificação do tema. Esquecemos, por exemplo, o som tocando e ao voltarmos, a casa está preenchida por música doce, encantatória, que nos massageia a alma, complementando o prazer do retorno, de estar de volta, trilha sonora de um estado especial trazido sabe-se lá porque. Isso que ao sair, estávamos um pouco estressados com a quantidade de energia gasta inutilmente, com preocupações que assaltam a mente mesmo com as tentativas de se "manter em paz apesar de". Sabe aquele dia em que estamos exaustos, em que temos que lutar contra os pensamentos negativos que insistem em alfinetar nossa cabeça, e o fazemos, relaxando, dando uma rezadinha, repetindo um zikhr, um mantra com a intenção de mudarmos o estado emocional para outro mais elevado, e eis que inesperadamente, um passarinho entra pela janela, dá uma voltinha na sala, e sai, deixando um gosto de surpresa amorosa nos olhos, uma visita especial, uma carícia inesperada. Milagres. Como não ser grato pelo milagre de acordar diariamente, de dormir quando se tem sono? De comer quando se tem fome? De ter água fresca pra matar a sede? Lembro de uma história que alguém contava há muitos anos atrás: um buscador foi atrás de um homem santo que tinha a reputação de fazer milagres. Quando o encontrou, perguntou-lhe o que fazia, como conseguia realizar atos extraordinários. O sábio sorriu, respondendo que seus milagres eram muito simples: ele comia quando tinha fome, bebia quando tinha sede, limpava sua casa quando estava suja... Nunca esqueci essa história e, de alguma forma, ela me fez ficar mais atenta às sutilezas do cotidiano, ao que acontece assim, sem mais nem menos, encontros inesperados que trazem sorrisos ao rosto e cantos ao coração, deitar à noite em uma cama gostosa e entregar o corpo ao descanso, com um bom livro nas mãos, um peito aconchegante onde encostar a cabeça, o toque em um pele macia, o perfume de flores no caminho diário, o voo das andorinhas quando entardece, o gatinho que propõe uma brincadeira, uma frase bem escrita, o primeiro gole de uma cerveja gelada depois de um tempo de abstinência, o silêncio da madrugada, o riso longínquo de crianças brincando, o cheiro do café recém passado de manhã, o calor do sol na pele, um mergulho no mar, ah, milagres incontáveis, são tantos! A riqueza da vida nos acaricia enquanto as tarefas difíceis nos assoberbam. Basta olhar. Basta perceber. Basta amar. O que não deixa de ser um milagre...