Amanhecer no Campeche

Amanhecer no Campeche

domingo, 26 de dezembro de 2010

Pós-Natal

Mais uma vez agradeço à Mariana pela ajuda.
Gosto de Natal, sempre gostei. Quando criança, a ceia era na minha casa. Morávamos no Flamengo, na Senador Correa, esquina com Paissandú. Era um prédio de griffe, que foi derrubado. Fiquei anos sem conseguir passar pela rua, até que um dia me enchi de coragem, peguei minha filha, tomamos o 573, S.Salvador/Leblon, me postei frente ao edifício e fiquei olhando, olhando aquele monstro que me roubara todas as lembranças visuais de anos e anos de vida. Difícil aceitar demolições. Tenho horror a elas até hoje. Odeio quando derrubam casas, sofro como IdéiaFix, o cachorrinho do Obelix, quando derrubam árvores. E não me venham falar de progresso! Há um monte de cidades européias que se mantém como são sem essa gana assassina de crescer, crescer, crescer sem critério. Amava Floripa como era; agora, aturo a cidade, fazer o quê? Tem todos os defeitos de uma cidade grande sem as qualidades, apesar da beleza das praias, etc. etc., o que já se sabe. Peixe frito no Arante é maravilhoso, né mesmo?
Voltando ao Natal, erámos muitos, tios, tias, primos em graus longínquos, vó,  vinda de Manaus para a festa, tocava-se muito piano, que a família era musical, cantava-se, (aí, Ana, a musicalidade é de berço), trocavam-se presentes. Sempre gostei de ganhar presentes. Me sentia amada, fazendo parte e isso, fazer parte, para uma pisciana encucada era e ainda é altamente importante. A árvore era armada, o presépio, também. A ceia era à meia-noite, hora em que os presentes eram distribuídos. Amava ficar acordada até tarde. Não sei se a façanha de participar da festa acontecia quando eu era bem pequena, acho que não, porque eu acreditava em Papai Noel e escrevia (ditava?) cartinha prá ele. "Noite Feliz" era cantada e eu me emociono até hoje com a música. Bobona assumida. Nessa noite, me era permitido tomar uma taça de champagne (doce! argh, levei tempo prá aprender a curtir uma brut), em festas de casamento, também. Talvez por isso seja uma aficcionada de um bom espumante, de festas de Natal e de casamento... Até pouco tempo, ainda tinha uma ou duas taças de champagne bojudas, lindas, de cristal. Foram quebradas em alguma das inúmeras festas que costumava dar no antigo Mocó dos Abacates, no Campeche. Gosto de uma festa, de receber, encher a casa de gente, escolher as músicas. Agora, morando em apartamento, complicou. Fase de recolhimento. Mas, boto pilha para a realização de festas em casa de amigos, adorei as  que a Zuleika Zimbabue promove, embora frequente pouco, e curti muito as que os jovens da montagem de "Zylda: anunciou, é apoteose!" inventaram. Dançar é muito bom. Dançar junto, então! Mamãe fazia festinhas prá comemorar meus aniversários, nem todos os anos, porque a grana era curta, mas sempre tinha um bolinho, guaraná e o piano tocado por ela animava a criançada!
Pois é, Natal, festas de aniversário, festas muitas, festa da vida! Gosto da alegria que rola, seja falsa, seja induzida, mas, alegria. Gosto de prazer, de compartilhar, de fazer parte. E Natal prá mim, é isso: fazer parte, renovar energias, lembrar. Jesus Cristo ainda é uma figura meio longínqua no meu universo. Decididamente, não gosto de ver sua imagem crucificada nas igrejas, nas casas, no pescoço das pessoas. Não gosto da idéia de dor que transmite, de sacrifício doloroso. Prefiro aquela que aponta o coração, indicando que é nele que está a verdade que se quer atingir, o desejo oculto, o ser escondido à espera de revelação. Grata, Kiko, por ter me ensinado a ver isso.
E nesta tarde esplendorosa com que somos brindados hoje, desejo a todos um muito feliz pós-Natal, pleno de serenidade e com bastante movimento prá desgastar os excessos que se fez em nome do Senhor! 

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Aterrisando

Novas paragens. Grata, Mariana e Claudia! Como proposta de ano novo, indispensável em despedida de ano velho, escreverei com mais assiduidade.
Prometi à minha filha, Ana Baird, definir transgressão. Hoje, minha insolência está quieta. Talvez, não seja o dia ideal para discorrer sobre o assunto, mas, promessa é dívida, como dizia vovó. Sendo assim, vamos lá. 
Aurélio: transgressão: ato ou efeito de transgredir; violação, infração. Transgredir: passar além de, atravessar; desobedecer a, deixar de cumprir, infringir; violar, postergar.
Meu nascimento foi um ato de transgressão. Pai e mãe casadinhos, com benção de padre, família e tal não fez parte da minha vinda ao mundo. Mãe viúva, pai estudante, paixão galopante e cá estou eu. Culpa e demais implicações sobre o fato ficam entre mim e o(s) terapeuta(s). Graças a esse histórico básico que me foi desvendado mais cedo do que eu seria capaz de compreender, desenvolvi uma rebeldia que a aparência pisciana de boazinha sempre encobriram. Daí prá frente, listemos.
Faço parte de uma geração em que a mulher desobedeceu às normas vigentes e gozou com estardalhaço. Comprei pílula anticoncepcional e Tampax ruborizada, mas comprei e usei, sem ser casada. Ih, casamento oficial só depois que minha filha tinha 10 anos e não foi com o pai dela. Transgressão. O rapaz em questão era quase vinte anos mais novo do que eu. O 3º e 4º maridos, também. Sorry, Suzana Vieira, anjos sempre me fizeram companhia. E de graça.
Beber muito, ir aos bares, dançar em boates gays, berrar nas ruas contra a ditadura, trocar a noite pelo dia, ser artista, ir atrás do prazer, ora, transgressão. Ser honesta, reclamar dos críticos diretamente para eles, (nem sempre o ato de transgredir é inteligente...), abandonar a cidade natal, família, amigos, prá tentar a vida em plagas menos famosas faz parte da carreira transgressora.
Usar os cabelos vermelhos antes de ser moda, mantê-los grisalhos, idem. Não investir em cirurgia plástica, me horrorizando com os espectros que vejo por aí, falsamente jovens, o botox interferindo na expressão, (existem raras e honrosas exceções, há quem tenha sorte na mãos de um cirurgião) e comer de acordo com a minha fome, ah, vamos combinar, tem transgressão melhor? Dividir apartamento com a primeira mulher do ex-marido, formar tribo com os filhos de múltiplos casamentos dos amigos, agora faz parte das regras, mas não era assim, fomos nós que começamos, essa geração transgressora. Todos envelhecemos, alguns caretearam, eu, inclusive, mas continuo transgredindo. Conhecer o companheiro da vida aos 45 anos, sobreviver a quatro paradas cardíacas sem sequelas é transgressor, faz parte do inconsciente de quem é assim, casar de véu e grinalda com quem se é casada há milênios, e, aos 65 anos, gordinha, grisalha, rebolar no palco, seduzindo os cavalheiros da platéia no meio de 25 jovens lindas e lindos, como acontece em "Zylda: anunciou, é apoteose!" ah, que delícia de transgressão! Choca. E ganhar La Gonga cantando "Bonita e Gostosa" das Frenéticas?
Coisa boa viver! Coisa boa ser singular. Somos todos, do jeito que somos.
O que me levou ao assunto foi uma tarde chuvosa, foi ouvir "Do it again", música que mexe com as minhas entranhas, foi recordar tardes de amor clandestino, foi o desejo de transgredir again, and again, and again para sempre, que, "é sempre por um triz".
Respondi, Ana?