Amanhecer no Campeche

Amanhecer no Campeche

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

LERDS

Há os nerds. São competentes, resolvem problemas em muitas áreas, sabem tudo sobre informática e as últimas, sempre frequentes, atualizações que o mercado vomita sobre nós, alguns, pobres mortais. Como eu, por exemplo. As siglas se multiplicam: é HTML, URL, LINK, tudo em inglês, naturalmente e nem me preocupo em entendê-las, porque isso, entender, está fora de cogitação. O celular tem uma rapidez que minha lentidão não permite acompanhar. Para um telefonema são uns três desbloqueios do aparelho, pelo menos. Deixei o moderno de lado, mas o velhinho estava realmente idoso e fui obrigada a assumir o smart (esperto, inteligente, são palavras muito compridas para a rapidez do agora virtual). Adaptações. Como viver sem celular? O que mais ouço é "estou sem crédito". Lá vou eu assumir o telefonema, afinal, quero falar com a pessoa e fixo, ora, que coisa mais demodé, palavra francesa, portanto, demodé, fora de moda, out, o que vale é o ingles americano, raça expedita, não tem tempo nem prá comer e exporta como maravilha comida pré-digerida com embalagem prá presente. Eh, presente! Obesidade, colesterol alto, pressão na lua, quem manda comer merda? E as mães levam suas crianças como se estivessem fazendo festa. As bactérias agradecem. Os médicos, também. Pois é, o neoliberalismo é um dos piores acontecimentos dos últimos anos, liberou e levou ao auge o capitalismo selvagem. Legal, o pior é que é legalizado mesmo. A famosa exploração do homem pelo homem encontrou nessa modalidade de sistema sua melhor manifestação. Dane-se quem nasceu pobre e não me venham com a balela de oportunidade para todos. Vai ser preto aqui, na Europa ou na África! Vai ser mulher no Oriente, no Afeganistão, no mundo fundamentalista islâmico, vai ser branco pobre em qualquer parte do mundo. Te ferra, malandro, meu pirão primeiro e de preferência o tacho todo! Pois é. Voltando às tecnologias avançadas. Tenho duas imagens de um nerd. São do gênero masculino. Um, é arrumadinho, cheio de confiança em si, tudo que ele quer na vida é ter tudo que o mundo pode lhe oferecer de bens materiais e se esforça prá isso. O outro é mais desencanado da aparência, pode ser gordinho, tem olheiras, o domínio da informação é sua meta maior e os bens materiais acabarão em suas mãos por conta da desenvoltura que ele consegue ter na manipulação das informações de última geração. Nerds. São jovens, já nasceram jogando video-games, portanto não tem noção do que seja serenidade ou paz. O que vale é a explosão, a destruição espetacular do inimigo, fogo, barulho. O mundo americano prá exportação. Dólares extravasando a cornucópia dos produtores de merda ideológica. Filmes de ação, filmes de macho. Aí, detonam as torres do mundinho deles e eles acham ruim! Mas, a violência propagada pelos quatro cantos do planeta, a invasão das terras alheias, o jogo duplo no auxílio financeiro, ah, isso não conta, é diplomacia, é prá ganhar e ser senhor absoluto dos bens planetários. Isso é imperialismo. Alôo, Igreja Católica e suas cruzadas, alôo, missionários nos países pobres levando a palavra considerada a única verdadeira, alô, arrogantes, alô,  mentirosos, alô, invasores e ladrões! Nerds. Experts na arte de enganar, esses daí. E a maioria cai na conversa. Índios se vestem, negam seus deuses. E a Terra fica sem cobertura espiritual. O que será da natureza sem os orixás? Olha o estado do planeta! Ok, só um Deus, tá, aceito. Apenas, esse Deus tem múltiplos nomes, múltiplas manifestações e um desses nomes é compaixão. Guerrear em nome de Deus, ah, vamos inventar outra desculpa que essa não dá mais prá acreditar nela, prá aguentar.
Ok, o mundo gira, a Lusitana roda, livre pensar é só pensar, como diz Millor Fernandes. O que quero dizer é que há toda uma geração que não jogou video game na infância, que se deleitou com livros, que sabe o que serenidade quer dizer e que busca a paz dentro de si e fora, no mundo. Essa turma está criando movimentos anti-velocidade. Slow food, é, os franceses ficam horas à mesa, ou ficavam, porque a aceleração atinge todos os países. Há lugares na Itália em que a tônica é a preparação e degustação tranquila dos alimentos, há cidades chamadas de slow cities, (em italiano o nome é diferente), nas quais carros não circulam e a produção é dedicada àquilo que é original da região, existem lugares que foram transformados pela força da meditação e dedicação intensa para mudar terra infértil em pomares e jardins. Há grupos que se reunem prá expor em 15 minutos soluções para melhorar a vida. Há outros que se encontram prá rezar, prá cantar prá Deus, prá cuidar dos outros, pois é, gente, isso existe, cuidar dos outros. Estar atento para o próprio bem-estar e o do próximo, sim, não é assistencialismo, é cuidado. Tratar o outro como gostaria de ser tratado. Olhar, ouvir, agradecer, cumprimentar, curtir, ceder espaço, sim, isso é possível sem ferimentos, por incrível que pareça.
Pois é, o título é LERDS. Em contraposição aos nerds, sou uma lerd. Vou devagar na informática e peço ajuda dos que sabem e não se importam em dar uma força, sou devagar na aparelhagem moderna, cheia de truques e possibilidades das quais usufruo um mínimo já que sou uma lerd, controlo a ansiedade da qual fui rainha, dando uma boa respirada e indo devagar. O trem da minha vida é Maria Fumaça, embora tenha andado naqueles que andam bem rápido e atravessam a França e o túnel que a liga  à Inglaterra e tenha gostado da velocidade. Ultimamente, prefiro degustar a paisagem se deslocando calmamente pela janela. Prá que tanta pressa? Prá terminar mais rápido? Vai terminar de qualquer jeito. Prá que tanta produção? A humanidade continua passando fome e a percentagem de esfomeados é muito grande. Em nome do lucro exorbitante bens fundamentais são desperdiçados, em nome de um progresso duvidável o planeta vai sendo devastado em ritmo cada vez mais acelerado. Tive um amigo que dizia: isso não chega a neto. Que pena! Temos uma destreza enorme tecnológica, há inúmeros nerds, mas quanta lerdeza de consciência, quanta lerdeza afetiva, emocional, inconsciência de sentimentos, ignorância de si. Vamos despertar! Nerds e lerds, uni-vos! Lerds, não se envergonhem de não saber mexer nos seus aparelhos, seus tablets, suas redes sociais, apenas, usem sua lerdeza prá ligar o rádio e ouvir música clássica. E desfrutem do momento agora, que passa e não volta, como sabemos todos, neds e lerds. Nerds, aproveitem sua inteligência e olhem um pouco prá vocês mesmos e suas necessidades básicas. Vovó está dizendo: um respiro, um olhar, a vida é já. Como lerd assumida, vou passar um café sem usar um aparelho, apenas água, pó, coador. Hum, que delícia!

Um comentário:

  1. Sou uma lerd assumida, tropeço nos botões dos eletrônicos, enguiço em qualquer tecnologia.
    E que a pressa vá a MERD.

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